Embora esta escola (11) se interessasse principalmente em conseguir a imortalidade pela prática do controle da respiração, por meio da alquimia e de dietas, dava grande apreço aos atos de virtude. Ho Kung, o reputado autor do clássico tauísta, o Pao P’u Tzu, (12), escreveu:
Os que não realizam atos de virtude mas apenas se contentam com a prática de técnicas mágicas nunca atingirão a imortalidade.
(Pao P’u Tzu, 3 8b)
Alguém perguntou ao mestre: “Não é verdade que aqueles que praticam o Tau deviam começar por adquirir mérito?”. Ele replicou: “Sim ... os que praticam o Tau realizam ações meritórias salvando os que estão em perigo, livrando-os da desgraça, protegendo-os da doença, e impelindo-os da morte prematura. Os que desejam tomar-se imortais devem tomar as cinco virtudes como base”.
(3:8b)
O tauísmo da dinastia Han dava grande importância às virtudes de cuidar de órfãos, conservar estradas, reparar pontes e tratar dos velhos e dos doentes. A pobreza voluntária era encorajada e também a distribuição de esmolas aos pobres. Conforme H. Maspero escreve:
“Praticar a virtude e evitar a transgressão, confessar e arrepender-se, fazer boas obras, dar de comer aos esfomeados e vestir os nus, socorrer os aflitos e distribuir as riquezas pelos pobres, fazer bem em segredo, sem ostentação, são as virtudes reconhecidas por nós, que nos são familiares. Mas, na China dos tempos Han, isto era algo de novo. Em face do confucionismo, para o qual o homem nunca é mais do que um encaixe na sociedade, o tauísmo deu virtualmente aos chineses um sentido de moralidade individual” (13)
Em busca da imortalidade, os adeptos da escola da higiene interior desenvolveram técnicas para evitar a dissolução do corpo na morte, e produzir dentro de si próprios um corpo etéreo e imortal. Eles representavam o corpo humano como um microcosmo que refletia o macrocosmo do universo. Cada homem tinha três seções para o seu corpo, cada uma com o seu centro vital. Estavam localizadas na cabeça, no peito e no abdômen. Eram chamadas os “Campos de Cinábrio”. Dentro desses “Campos de Cinábrio” habitavam trinta e seis mil deuses, os mesmos deuses que, sob um chefe supremo, dirigiam o universo. As Três Unidades, cada uma presidia a um dos “Campos de Cinábrio”, e o supremo de todos era T’ai 1 ou “A Grande Unidade” que vivia num dos nove compartimentos da cabeça. Perto dele residia Ssu Ming, o “Mestre de Destinos” que guardava dois registros, um para os imortais e outro para os mortais. A finalidade da “higiene” era conseguir que o nome da pessoa fosse transferido para o registro dos imortais.
Os trinta e seis mil deuses dentro do corpo supunham-se necessários para sustentar a vida. Outro objetivo da “higiene” era conservá-los contentes nos seus postos. Como eles detestavam o cheiro do vinho e da carne, isto devia ser evitado. O homem era também hospedeiro de três seres transcendentes conhecidos pelos “três vermes”, um em cada “campo de cinábrio”. Eram eles a principal causa da velhice, da doença e da enfermidade. Eram espíritos maus que procuravam impedir a luta do homem pela imortalidade. Como eles se sustentavam dos cinco cereais que formavam a principal alimentação chinesa, o adepto devia aprender a refrear-se de comer cereais:
Os cinco cereais são as tesouras que cortam a vida; apodrecem os cinco orgãos internos. Devido a eles, a vida é-nos encurtada. Se um grão te entra na boca, não esperes pela imortalidade. Guarda-te de comeres cereais se esperas não morrer.
(Ta Yu Ching, 3: lb (14))
Assim o adepto entrava numa tarefa impossível. Refrear-se de comer cereais, carne, vinho, gradualmente restringia a sua alimentação até, em teoria, viver só de respiração e de saliva. Ele purificava o seu corpo nunca comendo comida sólida, fazendo ginástica, e por meio de técnicas respiratórias pelas quais acreditava que podia fazer circular a respiração através de todos os três “campos de cinábrio”. Ele buscava uma visão interior que lhe permitisse ver os deuses dentro do seu corpo. Unindo a respiração com o sêmen no “campo de cinábrio” inferior, formava “o misterioso embrião” que, alimentado de fôlego, desenvolvia um corpo novo e puro dentro do velho, e este novo corpo libertado da morte, era imortal.
Sob a influência do budismo, o alvo do tauísmo chegou a ser mais do que longevidade ou imortalidade física. Com o budismo, foi introduzido o conceito de uma alma como algo que diferia do corpo material. Era essa alma que era imortal, e depois da morte continuava uma existência em algum céu ou inferno, conforme os seus méritos. O principal interesse era, agora, não sobreviver, mas assegurar uma existência feliz no céu em vez de sofrer no inferno. E como os infernos se consideravam lugares onde se sofria a justa retribuição dos pecados cometidos na vida, podia ser possível ter pelo menos parte da sentença perdoada pela intercessão de alguma divindade misericordiosa.
Se o tauísmo religioso tivesse sido apenas representado por esses pesquisadores da imortalidade, ter-se-ia provavelmente conservado um culto esotérico limitado a alguns escolares tauístas que, sob a direção de “mestres” habilidosos, praticavam alquimia, meditação interior, abstinência e disciplinas fisiológicas. O tauísmo nunca teria atingido a posição de um dos principais sistemas religiosos da China. Foi só pela divulgação dos ensinamentos tauístas, e pela sua ligação com os movimentos semi-religiosos e semipolíticos do século II AD que se chegou à organização de um culto tauísta.
Notas
11.Ver H. Maspero, Mélanges Posthumes, vol. 2, pp. 85-147, para uma exposição mais minuciosa desta escola.
12.O Pao P’u Tzu era um tratado fundamental sobre alquimia tauísta, dietética e magia. Foi atribuído a Ho Kung, c. AD 326; cf. L. Wieger, China Throughout the Ages, Hsíenhsien, 1928, p. 483.
13. H. Maspero, Mélanges Posthumes, vol. 2, p. 87.
14.Citado por H. Maspero, Mélanges Posthumes, vol. 2, p. 100.
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