Fontes para se estudar a China



Todo aquele que esteja se interessando, na presente conjuntura, a estudar um pouco da história e da cultura chinesa, deve estar com algumas dúvidas sobre onde encontrar traduções, trechos ou referências sobre os textos clássicos desta civilização.



A situação das traduções hoje em dia é razoável, mas falta ainda muito a ser feito. Este presente comentário (que não sei se chega a ser um texto) constitui, apenas, um grupo de indicações sobre obras que possam interessar ao leitor. Obviamente, grande parte delas está em inglês, e uma relação mais completa de bibliografias pode ser encontrada no meu outro site, sinologia. No entanto, creio ser válido apresentarmos, ao menos, alguns livros-fonte para aqueles que desejam iniciar-se neste campo.



Usualmente deixamos para o fim, em função da quantidade, aquilo que devíamos colocar no começo: o que temos em português sobre as fontes chinesas tradicionais? De fato, temos muito pouco, além das traduções isoladas. No entanto, dois livros se destacam neste panorama: “A Sabedoria da Índia e China” e “A Importância de compreender”, ambos de Lin Yutang.



O primeiro se trata de uma volumosa coletânea, em que Yutang cobriu grande parte do pensamento chinês antigo, seus antigos documentos e trechos importantes de sua filosofia. O livro conta com uma outra metade dedicada a Índia, o que o faz valer duplamente. As traduções para o português, feitas por diversos autores, são desiguais (a 1a versão data de 1957). O Daodejing, por exemplo, ganha uma conotação exotérica; no entanto, os textos confucionistas são apresentados de modo bastante adequado. A limitação deste livro consiste em só cobrir um período mais antigo de ambas as civilizações, e foca-se principalmente na questão dos sistemas filosóficos.



Muito mais coeso e belamente trabalhado é “A importância de Compreender”. Nele, Yutang apresenta-nos fragmentos sobre arte, cultura, literatura, vida cotidiana, etc, constituindo um conjunto vasto, que chega até o século 19, pouco antes da república chinesa. O livro pode ser saboreado tão somente por sua diversidade e facilidade de leitura, mas se apresenta, igualmente, como um acervo de indicações válidas.



Infelizmente, porém, interrompe-se aí a presença de livros fontes em nosso idioma. Aguarda-se avidamente por produções do gênero, e um livro do tipo "Cem textos de história da China" seria, com certeza, recebido com bastante alegria pelas academias.* Vale somente citar, ainda, o livro de Claude Roy “A China num espelho” (original em francês), que apresenta uma seleção de belas passagens da literatura chinesa.



Resta-nos, pois, recorrer a outras línguas. No mesmo francês, temos a antiga - porém muito boa – “Anthologie de la litterature chinoise”, que abarca textos em prosa e poesia, e nada mais. Dividido em temas (sociedade, mulher, vida cotidiana, governo, etc.), o livro de G, Margoulies é uma boa fonte de textos clássicos chineses, mas é relativamente sucinto nos fragmentos que apresenta. Uma tradução deste livro foi feita, para o espanhol, por Manel Ollé em 2001, sob o título de “Antología de la literatura tradicional china”. Quem a encontrar, no entanto, é um sortudo: o livro foi publicado pelo Círculo de Lectores de Barcelona (algo parecido com o nosso extinto e saudoso Círculo do Livro), e não se acha disponível facilmente. Vale citar uma coletânea pequena, porém fascinante, em espanhol também: “Textos de estética taoista” é um titulo péssimo (ao meu ver), para classificar alguns escritos sobre arte e literatura tradicionais chineses, cujas origens são diversas. No entanto, o livro é muito bem composto, traduzido, e os textos são interessantíssimos.



De fato, causa-nos certo espanto que a situação das traduções em francês e espanhol sejam um tanto pior do que a nossa: na verdade, muitos textos chineses já foram traduzidos nesta língua, mas em caráter isolado. França, Espanha e Argentina tem se mostrado centros bastante ativos de tradução, e sua produção, embora desunida, é respeitável. Uma pesquisa periódica é algo válido para nos atualizarmos sobre seus lançamentos.



Americanos e ingleses tem se mostrado, por outro lado, extremamente ativos neste sentido. Duas coletâneas são fundamentais para os estudantes de sinologia: “Sources of chinese tradition”, organizada por William Theodore de Bary e “Sources of chinese philosophy”, de Chan Wing-tsit. O livro de Bary, recentemente atualizado e dividido em dois volumes, cobre a história da China até a Era Moderna, englobando aspectos diversos de sua literatura (mas focando-se, principalmente, nas questões políticas, históricas e filosóficas chinesas). A abrangência de temas e a generosidade de ambos os volumes tem permitido um acesso bastante rico ao campo da sinologia por parte dos falantes de inglês. O único receio, talvez, seja aquele que Said bem apontou ao criticar Ernest Renan, realizador de uma coletânea sobre pensamento "oriental", em seu livro Orientalismo, e cuja crítica é válida para nós: devemos tomar cuidado com estes livros bons demais, porque eles nos ensinam o que devemos ler, e podem algumas vezes nos prender em seu próprio mundo. Enfatizo novamente a qualidade do livro de Bary; a questão é que já testemunhei muitos alunos desistindo de estudar chinês por acreditarem que "tudo que era necessário" para se entender a China estava ali. Obviamente, isso revela uma pessoa com fraco interesse pelo estudo, mas a tentação da comodidade é bastante grande.



O mesmo pode ser dito de “Sources of chinese philosophy”, de Chan Wing-tsit. Este trabalho dedicado, extenso e apaixonado reflete-se de imediato na qualidade dos textos e traduções. Chan também auxiliou o livro de Bary, e sua produção foi extremamente profícua. Esta coletânea centra-se, porem, apenas na filosofia chinesa, abrangendo o início da época moderna. As críticas e elogios ao livro são os mesmos aplicados a “Sources of chinese tradition”. A questão sobre ensacolar o mundo chinês todo, em suas páginas, é recorrente. Mas acredito que os que desejam estudar seriamente esta civilização irão tomá-los como um estímulo, e não contrário.



Outras duas outras obras são relevantes em nossa breve apresentação: ambas chamam-se “Anthologie of chinese literature”, sendo apenas de autores diferentes (uma de Cyril Birch e outra de Stephen Owen). Estes dois calhamaços trazem pecas diversas da literatura chinesa, centrando-se mais em seus aspectos artísticos e deixando de lado questões historiográficas ou filosóficas. Justamente por isso elas são tão interessantes, e ambas se propõe a chegar ate 1911. São fragmentos diversos de teatro, poesia, prosa, critica literária, contos, etc., que compõe um panorama rico da sociedade e do imaginário chinês ao longo de sua existência. Temos ainda a “Columbia Anthology of chinese literature”, de Victor Mair, que também se presta, adequadamente, ao papel de livro fonte.



Por fim, podemos citar o livro de Michael Loewe, “Early chinese texts”, que apresenta uma coletânea comentada de indicações bibliográficas sobre traduções de textos antigos. Obviamente, ele desconsidera as traduções em português, mas chegará o dia em que nos faremos presentes. O livro é excelente, apesar disso.



No mais, aqueles que se aventurarem no idioma chinês devem consultar o “Siku Quanshu”, a grande coletânea de textos chineses clássicos. Muitos já estão disponíveis no site http://www.guoxue.com/ , e valem para aqueles que buscarem se aprofundar no tema.



Apesar de que, nesta hora, quem precisará dos livros-fonte? :)



* Em 2009 aceitei o desafio. Por favor, visite a página 100 textos de história chinesa e veja se ficou bom...



obrigado!





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