Economia e Sociedade na época Han

O mundo chinês manifesta, a partir da segunda metade do século lI a.C., uma vitalidade notável, confirmada pelos testemunhos concordantes dos textos e da arqueologia. Beneficia dos progressos conseguidos no decurso desse período, tão rico em inovações, como foi o dos dois séculos que precederam o Império, e das vantagens proporcionadas pela unificação política.

Durante a época dos Han continuaram a registrar-se progressos na metalurgia do ferro. Sem dúvida que será necessário esperar pelo século VI para se encontrar descrito um processo de co-fusão, antepassado do processo moderno Siemens-Martin, mas os Chineses souberam produzir aço desde o século lI a.C., aquecendo e trabalhando, em conjunto, ferros com diferentes teores de carbono. Desde esta época, as armas de aço substituem as armas de bronze, as únicas que, segundo parece, foram conhecidas na época dos Reinos Guerreiros, altura em que a fundição de ferro servia sobretudo para a produção de utensílios agrícolas. São de ferro as espadas, as alabardas e os mecanismos de bestas da época dos Han, encontrados nas escavações. O testemunho de Plínio, o Antigo (37-39), que elogia a qualidade do ferro produzido pelos Seres, corrobora as alusões dos textos chineses às exportações clandestinas de ferro e à difusão das técnicas siderúrgicas, durante a época dos Han, nos oásis da Ásia Central. O fabrico do ferro é, de resto, o mais ativo e o mais importante deste período. Na altura da instituição do monopólio do Estado sobre a produção de ferro e de sal, em 117 a.C., foram criadas pela administração 48 fundições, empregando cada uma delas um pessoal que ia de algumas centenas a um milhar de operários. Designados nas fundições privadas pelo nome de tongzi - termo que se aplica aos adolescentes e que evoca um estado servil -, estes operários eram conscritos ou condenados cujas condições de vida levaram muitas vezes à sua revolta. Para além destes dois grandes sectores do sal e do ferro, onde o monopólio do Estado só foi, de resto, aplicado de modo estrito durante menos de um século, coexistiam empresas privadas e públicas. As grandes oficinas do Estado, cujo funcionamento acarretava pesados encargos e cuja produção se destinaria em grande parte aos presentes feitos a populações estrangeiras, localizavam-se na capital Chang An e nas províncias. Em Lizi, antiga capital do reino Qi, no noroeste de Shandong, essas oficinas vários milhares de operários. Mas existiam também empresas privadas criadas por famílias de ricos mercadores. Acontecia o mesmo com as lacas, fabricadas sobretudo no Sichuan e no Henan. Algumas peças encontradas em estações arqueológicas trazem o nome do artífice que dirigiu o seu fabrico e outras não trazem nenhuma marca e poderiam provir de oficinas particulares. As descobertas arqueológicas e as alusões de certos textos deixam supor que as empresas privadas tiveram um papel importante na economia da China dos Han.

Um outro artesanato importante era o do cobre, cujos produtos principais eram as moedas (a sua fundição por particulares foi proibida desde muito cedo), e os espelhos de bronze. No primeiro séculos da nossa era, estes espelhos tornaram-se um artigo de exportação e nota-se que os seus motivos e o tipo das suas inscrições se modificaram a partir desta época. Descobriram-se numerosos exemplares desde a Sibéria ao Vietnam e, até mesmo, na Rússia Meridional.

Verificaram-se nítidos progressos no domínio da produção e das técnicas agrícolas. Os instrumentos de ferro são de melhor qualidade que nos séculos IV e III e o uso do arado puxado por bois generaliza-se. Na época do imperador Wu, foi empreendido um enorme esforço para aumentar a superfície das terras regadas e para valorizar novas terras na China do Norte. Agrônomos experimentados são encarregados de difundir novos métodos de cultura e, a partir de fins do século I a.C., certos funcionários esforçam-se por converter à cultura dos cereais as tribos nômades estabelecidas aquém das Grandes Muralhas. A partir de 85 a.C., difunde-se um tipo de afolhamento em faixas de terra onde as culturas são alternadas (daitian). Mas os principais cereais continuam a ser os da Antiguidade - cevada, trigo e milho miúdo -, culturas às quais se torna necessário juntar a soja e o arroz que tinham então uma importância relativa. A partir de fins do século II, a luzerna (a erva musu), importada das regiões ocidentais, permite alargar à China do Norte a criação de cavalos.

A partir da época de Wang Mang (9-23), aparece o moinho movido a água. Mais freqüentemente, trata-se de uma série de pilões (dui) movimentados por uma árvore de cames horizontal que gira por ação de uma roda, certamente disposta verticalmente num curso de água. Um texto de 31 d.C. menciona a aplicação da energia hidráulica aos foles de êmbolo usados nas forjas.

Um processo racional de atrelagem, o tirante de peitoral, aparecera na época, dos Reinos Guerreiros (séculos V a III a.C.), numa altura em que a carroça de dois varais começava a substituir o carro de um só varal. A época dos Han serviu-se largamente desta grande inovação técnica no domínio dos transportes. Para além disto, torna-se necessário mencionar a invenção de um veículo cujo interesse poderia ser considerado, injustamente, como secundário. O carro de mão, conhecido no Sichuan no século III, mas cujas representações figuradas remontam aos séculos I e II, é um instrumento muito útil em todos os locais onde as vias de comunicação se reduzem a estreitas veredas. Graças ao fato de o seu centro de gravidade se situar na proximidade do eixo da roda, consegue transportar sem grande esforço uma carga que pode atingir os 150 kg. Contrariamente à China da época moderna, a dos Han - e o fato é ainda verdadeiro na época dos Tang - dispõe em grande abundância de animais de tiro e de carga: cavalos, bois e burros. A raça dos cavalos, que, montados ou atrelados, servem somente para o transporte de pessoas e para a guerra, é melhorada a partir de fins do século II a.C., através de cruzamentos com garanhões importados do Ferghana e do território dos Wusun, no vale do Ili. Quanto ao burro, animal de origem ocidental introduzido na China do Norte pelos Xiongnu, era muito apreciado por todas as classes da sociedade durante a época dos Han, devido à sua resistência e à exigüidade do seu preço.


Ricos Mercadores e Notáveis

Os progressos técnicos dos séculos lI e I a.C., o surto da produção e o desenvolvimento de grandes correntes comerciais, não poderiam deixar de ter incidências na sociedade da época. Herdeiro das tradições legistas, o império dos Han esforçou-se por pôr um freio às ambições das famílias ricas e por constituir, para suprir as necessidades da sua diplomacia e da sua expansão militar, um importante sector estadual (fundições, salinas, oficinas de fiação de sedas, etc.). Mas não pôde manter esse esforço por mais de um século - acentua-se, a partir de meados do século I a.C., um afrouxamento do controle do Estado que se generalizará na época dos Segundos Han (25 - 220). É então que se afirma o triunfo das famílias ricas estabelecidas nas províncias.

Verdadeiramente, mesmo na época em que o controle do Estado sobre a economia do Império era mais eficaz, o governo central contou sempre com os notáveis locais. Uma das particularidades sociais da época dos Han no seu conjunto é, com efeito, a existência de famílias riquíssimas que dirigem simultaneamente empresas agrícolas (produção cerealífera ou agrícola, pastorícia, piscicultura, etc.), industriais (fiação, fundições, lacas, etc.) e comerciais e que dispõem de uma abundante mão-de-obra. Nas regiões onde a agricultura é o recurso principal, estas famílias ricas limitam-se a exercer pressão sobre os camponeses pobres praticando preços usurários e levando os devedores a alugar-lhes as suas terras ou a vendê-las. É, sem dúvida, o caso daqueles mil notáveis, espécie de déspotas rurais, que Wang Wenshu, funcionário de tendência legista, mandou prender e julgar em 120 a.C. Mas, em todos os lugares onde as condições econômicas o permitem, outros recursos vêm juntar-se aos rendimentos agrícolas.

Pode-se considerar como típico deste ponto de vista o caso da região de Chengdu, no Sichuan, que os geógrafos designam pelo nome de Bacia Vermelha. É uma das regiões mais ricas e mais ativas da China dos Han. A exploração de jazidas de sal, a fundição do ferro, a produção de lacas (lacas fabricadas no Sichuan foram encontradas em túmulos Han da Coréia Ocidental a cerca de 3000 km de Chengdu) e de brocados, o comércio de tecidos, de bois e de ferro explicam por que se puderam constituir aí grandes fortunas, desde o século lI a.C. A família Zhuo, uma das mais ricas de Chengdu, possui vastas superfícies de terras cultivadas, tanques de criação de peixes e parques de caça. Dispõe de empresas siderúrgicas onde emprega 800 artífices escravos e enriqueceu-se no comércio do ferro com os aborígines do Sudoeste, Bárbaros que usavam cabeleiras em forma de maço. Este comércio entre os Chineses e as tribos aborígines parece ter tomado muitas vezes a forma de troca de ofertas e contra-ofertas, sem dúvida mais adaptado à mentalidade dos aborígines que os tráficos comerciais em que se toma em conta o valor exato das mercadorias. Cite-se o caso de um importante presente de sedas e de outros produtos chineses que foi pago, em troca, pelo envio ulterior de cavalos e de bois.

Mas, o que é verdade para o Sichuan, é o também para muitas outras regiões da China dos Han e dá-nos conta da existência de uma classe de ricos notáveis que forneceu ao Império os seus quadros administrativos. Longe de serem exclusivamente agrícolas, as bases econômicas desta classe eram muitas vezes industriais e comerciais. É isto que, certamente, explica o número relativamente elevado de «escravos» na China da época dos Han, de condenados e de devedores insolventes que constituem a maioria dos empregados nas grandes empresas artesanais.

A concentração de terras, que acompanhou o surto econômico do século I a.C., iria pôr um grave problema aos dirigentes, por volta da era cristã, e esse mesmo problema foi uma das causas da queda do usurpador Wang Mang, que o não conseguiu resolver nos anos 9 a 23.


Liberdade ou Controle da Economia?

A hostilidade contra os mercadores, que teve conseqüências tão profundas nos destinos do mundo chinês e que marcou, como uma característica especifica, a civilização chinesa, explica-se por motivos complexos e diversos. Já antes do Império, as tradições letradas, moísta, taoísta e legista congregavam-se numa mesma condenação do luxo e dos gastos Inúteis, embora os motivos desta condenação variassem de acordo com as correntes de pensamento. Indício de dissipação, de arrogância e de falta de Virtude na tradição letrada, o gosto pelo luxo surge já em Mêncio como uma das causas indiretas da miséria dos camponeses. Origem de fraudes e causa de desordem para os pensadores taoistas, o luxo é condenado pelos discípulos de Mozi em nome de um ideal de austeridade, de frugalidade universal e de nivelamento geral. Mas é do lado dos dirigentes e do poder do Estado que a hostilidade parece ter as suas razões mais profundas - as atividades mercantis são um fator de desequilíbrio social porque a riqueza dos mercadores lhes permite assegurar a sua dominação sobre os pobres, comprar as terras dos camponeses e empregar como escravos, nas suas empresas mineiras, siderúrgicas ou artesanais, os cultivadores por eles reduzidos à miséria. As atividades mercantis, incitando a despesas inúteis, afastam-se das atividades fundamentais e indispensáveis à sobrevivência do Estado: produção dos cereais e dos tecidos indispensáveis ao abastecimento dos exércitos e a uma ação diplomática em que as ofertas de sedas surgem como um dos processos mais eficazes, e ainda atividades de defesa e grandes obras públicas. Os danos causados por mercadores e artífices são simultaneamente sociais, políticos e econ6micos. O vigor e a vitalidade da China dos Han deve muito aos progressos técnicos conseguidos desde a época dos Reinos Guerreiros e ao desenvolvimento da produção de cereais, de ferro, de sal e de tecidos. Abandonar estas fontes de riqueza aos mercadores ou deixar-lhes, em exclusivo, o seu controle, é aceitar o declínio e a ruína do Império. A paz e a unidade deixam de ser possíveis desde que o poder político deixe de poder controlar e repartir as principais fontes de rendimento.

Desde 199, em plena guerra civil, que foram tomadas medidas para baixar o nível de vida dos mercadores. São-lhes proibidos o vestuário de seda, os cavalos e o uso de armas, e esta política de austeridade, pela qual podemos constatar a riqueza dos mercadores (não se proíbe o que se não pratica), só se modera quando sobe ao poder a, já toda poderosa, imperatriz Lu. O gineceu imperial mostrar-se-á muitas vezes favorável aos grandes mercadores e de conivência com eles porque a organização dos serviços administrativos do gineceu e talvez, também, certas tradições muito mais antigas, tornavam inevitável essa cumplicidade. No entanto, a reação antimercantil só se afirmará no fim do século II, na época de Wudi, e sob pressão do déficit criado por uma política de expansão militar e diplomática extremamente dispendiosa. Dai, a criação, em 119, de uma taxa uniforme sobre os barcos e as carroças e, sobretudo, no mesmo ano, a instituição, alargada em 117 a todo o Império, do monopólio do Estado sobre o sal e o ferro. Ferro e sal são, desde a época dos Reinos Guerreiros, as duas indústrias mais ativas e mais rendosas, e esta medida, em que se inspirariam mais tarde outros impérios chineses, parece ter reduzido por algum tempo o poderio dos grandes mercadores, gerentes de empresas Industriais e artesanais. Note-se que, durante o governo de Wudi, o poder imperial é relativamente independente do concurso que lhe poderiam dar os grandes mercadores - não terá necessidade de recorrer, como será o caso dos Tang, dos Song ou dos Ming, aos serviços dos grandes mercadores, encarregando-os de assegurar o abastecimento dos exércitos do Norte em cereais, forragem e noutros produtos, porque este abastecimento é assegurado, no essencial, elas colônias militares (tuntian). Os dois monopólios do sal e do ferro serão completados, em 98, com o monopólio, menos importante, dos álcoois. Em todo o caso, é evidente que as medidas de controle da economia tomadas pelo Estado e a sua hostilidade aos mercadores estão intimamente, ligadas ao estado das finanças do Império. As tradições antimercantis trazem somente argumentos à política sugerida pelas dificuldades de momento. A prova está nas criticas que o sistema dos monopólios suscitou, depois da morte de Wudi, por ocasião das discussões que, sobre a sua manutenção ou abolição, tiveram lugar na Corte em 81 a.C. Felizmente para nós conservou-se, sob o titulo de Yantielun - «Discussões sobre o sal e o ferro» -, a volumosa ata dessas discussões, publicada algumas dezenas de anos mais tarde, entre 73 e 49.

in Gernet, J. O Mundo Chinês. Lisboa: Cosmos, 1979.

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