Texto de Análise (01) - A Vida dos Zhou

Tem-se a impressão de que, na época dos Zhou ocidentais, a sociedade ainda não foi submetida a uma hierarquia complicada, como será o caso, à medida que se desenvolver a tendência para a unidade política e a centralização do poder. A sociedade está dividida em duas grandes classes: embaixo, a plebe camponesa; em cima, a classe patrícia (nobres hereditários). Pouco a pouco, ramificar-se-ão e classificar-se-ão os elementos médios, começando no grau mais baixo com os escravos e trabalhadores rurais, elevando-se progressivamente pelos artesãos e mercadores, letrados e funcionários, ministros e altos funcionários, nobres e príncipes, até o imperador, que domina a pirâmide hierárquica.
A plebe constitui a própria base da sociedade. Sua organização opõe-se em todos os sentidos à dos nobres: vivendo e trabalhando em regime de comunidade, os camponeses não têm qualquer individualidade ou qualquer iniciativa; são complementos do solo que cultivam e são transmitidos com ele, sem jamais possuí-lo propriamente; não têm ritos, mas observam apenas os costumes.
Pelo seu trabalho, considera-se que o camponês é capaz de obter tudo aquilo de que necessita para viver com sua família e mais o excedente, que é vendido no mercado da cidade. E aí está o seu único contato com a vida exterior e com a administração; e mesmo este contato não pode concernir ao indivíduo, mas somente ao grupo de que participa e que, unicamente, apresenta uma personalidade aos olhos da administração. Sua vida está regulamentada pelas estações: no inverno fica obrigatoriamente recluso com sua família, participa da aldeia, onde vive no reduzido quadro de seu alojamento e seu jardinzinho, consagrando-se aos trabalhos sedentários da casa. Com o verão abandona a aldeia e estabelece-se com mulher e filhos no próprio local das culturas, levando consigo o instrumental necessário, acendendo novo fogo numa área especialmente preparada em pleno campo; nesta vida ao ar livre, nada subsiste do núcleo familiar concentrado em si mesmo: tudo passa a ser condicionado pela existência comunitária.
Sem ritos próprios, o plebeu não conhece o casamento, mas apenas a união. Realize-se na primavera, segundo o aviso oficial do intermediário, no momento em que grandes festas precedem o estabelecimento dos agricultores no terreno a cultivar. União livre, ratificada, se houver promessas de filhos, numa cerimônia provavelmente geral.
A outra classe social, a dos nobres, difere essencialmente da plebe por dois pontos capitais: cada um de seus representantes possui antepassados e pertence a um clã. Estes dois fatos determinam toda uma série de notáveis diferenças: tendo sido o antepassado um indivíduo notável, herói ou imperador, possuiu ele, obrigatoriamente, terras, ou exerceu um cargo oficial; como tal, prestou um culto e recebeu um nome de clã. Seus descendentes estão, pois, naturalmente qualificados para se integrar num clã, prestar um culto e receber um território ou uma função. E ao passo que o campônio se perde num anonimato indiferenciado, o nobre reveste uma individualidade precisa, juntamente com o seu clã.
Qualquer que tenha sido a sua origem, os clãs apresentam, na época Zhou, as características de um agrupamento religioso, no interior do qual todas as relações sexuais entre seus membros são rigorosamente interditadas; seu número parece ter sido muito reduzido: provavelmente menos de 100. Cada um deles prestava honras a um antepassado, que era um deus ou um herói (o deus do milho miúdo, do Pico do Leste etc.); certos grupos de clãs possuíam o mesmo antepassado. Nestes cultos votados aos antepassados, que são por vezes animais ou plantas, como o milho miúdo, por exemplo, há traços extremamente antigos, mas nesta época já são indiscerníveis.
Se o clã origina um agrupamento religioso de nobres, o grupo da família, do tronco familiar e da casa é de ordem puramente civil e administrativa, surgindo como uma ramificação do primeiro. O chefe da casa ou da família é o senhor: realiza o casamento ou o divórcio, aceita ou rejeita as crianças, representa por sua pessoa todos os indivíduos de seu grupo, pode julgá-los e atribuir-lhes penalidades diretamente, sem intervenção da justiça de Estado; sua autoridade estende-se tanto aos membros presentes da família, como aos que vivem longe.
O privilégio capital dos nobres é o da posse da terra, seja a título de feudo ou de propriedade simples. Mas há entre eles grande variedade de condições, distinguindo-se os fidalgotes, os grandes oficiais e os promovidos a cargos administrativos. Em teoria há cinco classes de nobres, correspondendo aproximadamente aos títulos de duque, marquês, conde, visconde, barão, sendo as dimensões de seus feudos, em princípio, proporcionais aos títulos. Entretanto, conforme o caso, o nobre é rico, dotado de bens territoriais que rendem bastante, ou, então, modesto, e mesmo muito pobre, obrigado a entrar a serviço de seu senhor, que o protege e o alimenta em troca de sua obediência: ele o segue na guerra e comporta-se em tudo como seu cliente, exercendo funções diversas na sua casa, como a de escudeiro, cocheiro, alabardeiro, tesoureiro, cozinheiro etc. Outros nobres pouco afortunados escolhem funções mais independentes (mestre-escola da aldeia, sacerdote, feiticeiro, adivinho, médico etc.), alguns se entregam ao comércio, outros, ainda, se transformam em administradores por conta dos grandes proprietários. Mas sempre, seja qual for a sua situação, permanecem aptos para as mais altas funções e nunca se confundem com a plebe. Isto por serem animados de uma Virtude que faz a fortuna e a força de um chefe e que, por conseguinte - por meio de contágio, poderíamos dizer -, anima o país inteiro, natureza, animais e pessoas, mantendo-os em prosperidade, impedindo-os de fenecer e mesmo de morrer. Tudo repousa, pois, sobre o senhor e sua Virtude, cujo papel quase mágico é o verdadeiro fundamento desta sociedade feudal; ele é que condensa todas as atividades e as determina pelo rito.
A posse de um feudo, cuja investidura é conferida pelo rei, transforma o nobre num príncipe ou num vassalo que tem por suserano o rei ou um príncipe mais poderoso. Esta investidura, solenemente celebrada, dá ao nobre direitos e deveres novos que dizem respeito ao seu território, seus homens e seu senhor.
O próprio rei é, ao mesmo tempo, o primeiro dos príncipes, o nobre por excelência e o Filho do Céu, investido pelo Senhor do Alto no encargo eminente de governar o conjunto do povo, bem como de manter a ordem natural do mundo, porque sua Virtude é proporcional ao seu papel. O equilíbrio entre suas funções sagradas e políticas está desde então realizado: todos os meses renova o tempo no Ming-tang, proclama as leis, dá audiências, distribui justiça etc. A dignidade real é hereditária de pai para filho, sendo considerado herdeiro de direito o primogênito da mulher legítima. Tal filiação, entretanto, deve ter sido anteriormente encarada pela linha feminina, pois é necessário um cerimonial especial para que o irmão do rei defunto ou o filho de sua irmã ceda simbolicamente o poder ao filho direto.

por André Aymard em Crouzet, M. (org.) História Geral das Civilizações (1957), Editora Difel; Lisboa (Textos 01, 02, 03 e 04 no seguir são da mesma autoria)

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