Texto de Apoio (02) - Liji - Sobre a Educação

A necessidade da educação
A vontade de agir corretamente e a procura do que é bom dariam a uma pessoa certa reputação, mas não as tornariam capaz de influir sobre as massas. A adesão a homens hábeis e sábios e a acolhida aos que chegam de países longínquos, fariam uma pessoa capaz de influir sobre as massas mas não a habilitariam a civilizar o povo. Para o homem superior, a única maneira de civilizar o povo e instituir bons costumes sociais é pela educação. Por isso os antigos soberanos consideravam a educação como o elemento mais importante, em seus esforços por implantar a ordem no país. Tal é o sentido daquela passagem do Conselho a Pu Yueh (do Rei Kaotsung, da Dinastia Xia; hoje constitui um capítulo do Shujing) que diz: "Pensai sempre na educação." Assim como uma pessoa não pode saber o gôsto de um alimento sem o ter provado, por melhor que seja, tampouco se poderá, sem a educação, chegar a conhecer as excelências de um vasto acervo de conhecimentos, mesmo que eles aí estejam.
Só por meio da educação, pois, tornar-se-á alguém insatisfeito com o que sabe; e só quando tem de ensinar a outrem é que a gente dá-se conta da incômoda insuficiência dos próprios conhecimentos. Insatisfeita com o que sabe, a pessoa então percebe que é seu o mal, e dando-se conta da incômoda insuficiência de seus conhecimentos sentir-se-á impelida a aprimorar-se. Por isto se diz que "os processos de ensinar e aprender estimulam-se um ao outro". Tal é o sentido daquela passagem do Conselho a Pu Yueh que diz: "Ensinar é metade do aprender."
O antigo sistema educacional
O antigo sistema educacional era o seguinte: havia uma escola primária em cada povoado de 25 famílias, uma escola secundária em cada cidade de 500 famílias, uma academia em cada território de 2.500 famílias. e uma universidade na capital de cada Estado (para a educação dos príncipes e os filhos da nobreza e os melhores alunos das escolas menos graduadas). Todo alto admitiam-se novos estudantes, que no ano seguinte prestavam exames. No final do primeiro ano, procedia-se a uma tentativa de verificar até que ponto os alunos sabiam pontuar seus escritos e descobrir suas vocações. No fim de três anos. procurava-se determinar os hábitos de estudo dos alunos e sua vida grupal. No fim de cinco anos investigava-se até onde iam os conhecimentos gerais dos alunos e até que ponto eles haviam acompanhado os preceptores. No fim de sete anos, observava-se como se haviam desenvolvido as idéias dos alunos e que espécie de amigos cada qual escolhera para si. A isto se dava o título de Grau Menor (Xiaoch'eng - das séries inferiores). Ao cabo de nove anos era de esperar-se que o aluno dominasse as várias matérias estudadas e tivesse uma compreensão geral da vida, tendo outrossim firmado o próprio caráter em bases de onde não pudesse retroceder. A isto se dava o título de Grau Maior (tach'eng - das séries superiores).
Apenas com este sistema educacional, entretanto, é possível civilizar o povo e reformar a moral da nação, de maneira que os cidadãos se sintam felizes e os habitantes de outras terras gostem de visitar o país. Tal é o fundamento da tahsueh, ou educação superior. E outro não é o sentido daquela passagem dos Documentos Antigos que diz: As formigas estão sempre ocupadas (da importância do estudo continuado)."
Na universidade os discípulos principiam a estudar o uso adequado dos trajes cerimoniais e das oferendas vegetais por ocasião dos sacrifícios. a fim de se imbuírem do senso de respeito ou piedade. Faz-se com que eles cantem as três primeiras páginas do Xiaoya a fim de que aprendam as primeiras noções do ofício.
Ao entrarem os novatos na universidade. ouvem soar um gongo antes mesmo de desembrulharem os seus livros - como a incutir-lhes disciplina para o estudo. É empregada a palmatória ou bastão para reger-lhes o comportamento. Nenhum inspetor é enviado à universidade, exceto na ocasião do Grande Sacrifício aos antepassados reais, a fim de que os estudantes fiquem à vontade para se desenvolverem. O preceptor os observa, mas não lhes dá lições ininterruptas, a fim de que os estudantes tenham tempo de meditar nos assuntos por si mesmos. Os mais jovens devem ouvir e não fazer perguntas, reconhecendo a sua posição. Estas sete coisas constituem os principais fatores do ensino. Tal é o senão daquela passagem dos Documentos Antigos, que diz: "Na universidade, aqueles que já têm uma vocação estudam o que lhes diz respeito, enquanto que aqueles que ainda não escolheram um ofício observam o que pretenderão fazer mais tarde."
Estudos Extracurriculares
No regime educacional da universidade, há estudos regulares (em aula) e estudos extracurriculares que os alunos realizam em seus aposentos. Sem exercitar os dedos, não se pode aprender a tocar com destreza um instrumento de cordas. Sem uma ampla visão das coisas não se pode assimilar facilmente a poesia. Sem estar familiarizado com os diversos trajes cerimoniais não se pode apreender o estudo dos ritos. Sem conhecer as várias artes (inclusive manejo de arco e flecha, e a condução de veículos) não se pode apreciar o aprendizado colegial. Por isso, na educação do homem superior (da elite intelectual) dá-se a cada qual o tempo suficiente para aprender coisas e cultivar coisas, tempo para repouso e para recreio. Assim os estudantes passam a sentir-se no colégio como em suas próprias casas e a estabelecer relações pessoais com os professores, a prezar os amigos e a firmar convicção das próprias idéias. Podem, então, afastar-se dos mestres sem dar as costas ao estudo. Tal é o sentido daquela passagem do Conselho a Fu Yeh, que diz: “Conservai sempre o amor ao estudo, e colhereis os resultados".
Os preceptores de hoje limitam-se a repetir coisas, como realejos, a aborrecer os alunos com perguntas freqüentes e a repetir-se incessantemente. Não procuram descobrir a inclinação natural de cada um, e assim os estudantes são levados a fingir amor aos estudos, sem que nada se faça por explorar o que há de melhor em seus talentos. O que se fornece aos estudantes é errado, e não menos errado é o que deles se espera. Resultado: os alunos aprendem às escondidas as coisas de que gostam e detestam os professores , exasperam-se com as dificuldades do curso e não reconhecem nele o bem que lhes traz. Ainda que passem regularmente por todas as séries, uma vez completado o período de colégio. já se apressuram em deixá-lo. Eis por que falha a educação em nossos dias.
O Professor Ideal
Os fatores da educação colegial são - 1) prevenção, ou seja, prevenir os maus hábitos antes que surjam; 2) oportunidade, ou seja, apresentar ao estudante somente as coisas para as quais ele esteja preparado; 3) ordem, ou seja. ministrar as diversas matérias em sucessão adequada; 4) emulação (literalmente: “fricção"), ou seja, fazer com que os estudantes admirem as qualidades dos demais. esses quatro fatores asseguram o êxito da educação.
Por outro lado, coibir os maus hábitos uma vez arraigados pareceria algo adverso às inclinações de cada um e tentar corrigi-los já não daria resultado. Instruir os alunos depois de ultrapassada a idade escolar tornaria o aprendizado difícil e fútil. Deixar de ministrar os ensinamentos na devida ordem poria os alunos em confusão quanto à matéria ensinada e tampouco os resultados seriam bons. Estudar a sós qualquer assunto. sem colegas com quem trocar idéias, acarretaria a estreiteza mental do aluno. à falta de conhecimento geral. As más companhias induziriam o estudante a colocar-se contra os professores, e os maus antecedentes levá-lo-iam a negligenciar os estudos. Esses fatores, seis ao todo, são os que podem arruinar a educação colegial.
Conhecendo os fatores de êxito e os do fracasso da educação, o homem superior está pois qualificado para ser professor.
Ao ensinar, o homem superior orienta seus discípulos sem arrastá-los; convida-os a avançar mas não os coage; abre-lhes os caminhos mas não os força a caminhar. Orientando sem arrastar, torna o aprendizado agradável; convidando sem coagir, torna o aprendizado fácil; abrindo o caminho sem forçar à caminhada, faz com que os alunos pensem por si mesmos. Ora, um homem que torna agradável e fácil o aprendizado e faz com que os estudantes pensem por si mesmos será o que se pode chamar um bom professor.
Há na educação quatro inconvenientes muito comuns, contra os quais deve precaver-se o professor. Certos estudantes procuram aprender demais ou demasiados assuntos, outros aprendem pouco ou poucos assuntos, alguns aprendem com demasiada facilidade, outros facilmente perdem o ânimo. Essas coisas demonstram que os indivíduos diferem quanto aos dotes mentais, e só mediante o conhecimento desses dotes o professor poderá corrigir as respectivas falhas: o professor não é senão um homem que faz por incrementar o que há de bom e remediar o que há de mau em seus pupilos.
Um bom cantor leva os circunstantes a seguirem- lhe o canto, um bom educador leva os circunstantes a seguirem-lhe o ideal: sua palavra é concisa mas expressiva, ocasional mas rica de sentido, e ele tem ainda a habilidade de esboçar engenhosos exemplos que o façam melhor compreendido pelos demais. Assim, pode-se dizer um bom homem aquêle que faz com que outros lhe sigam o ideal.
O homem superior sabe o que é difícil e o que é fácil, o que é excelente e o que é deplorável, entre as coisas que se devem aprender - e por isso é hábil em fornecer exemplos. Sendo hábil no exemplificar, sabe portanto ensinar. Sabendo ensinar, saberá ser pai. Sabendo ser pai, saberá governar os homens. Desse modo, o magistério é a arte de aprender a governar os homens. Eis por que nunca é excessivo o cuidado com que se escolhem os professores. Tal é o sentido daquele trecho dos Documentos Antigos que diz: "Os Cinco Reis e as Três Dinastias (Xia, Shang e Zhou) davam a maior importância à escolha dos professores."
Ainda no setor da educação, o mais difícil é criar o respeito ao professor. Quando se respeita o professor respeitam-se os seus ensinamentos, e quando se lhe respeitam os ensinamentos respeitam-se a instrução e cultura. Por isso há duas espécies de cidadãos que o rei não ousa considerar como vassalos: o professor e o shih (criança que representa o espírito dos mortos nos sacrifícios). Segundo as praxes colegiais, um professor não precisa pôr-se de pé com a face voltada para o norte mesmo ao receber um édito do rei - o que é prova de grande respeito real ao professor.
O método de instrução
Com um bom aluno o professor não terá muito que fazer e colherá em dobro os resultados, além de granjear o respeito do estudante. Com um mau aluno o professor tem de fazer esforço e colhe em resultado apenas a metade do que seria de esperar, além de ficar antipatizado pelo estudante. Um bom argüidor faz como o rachador de lenha - começa pela parte mais fácil, deixando os nós para depois, e ao fim de algum tempo aluno e professor chegam à compreensão da matéria até com certa sensação de prazer; o mau argüidor faz exatamente o contrário. O bom respondedor de perguntas é como um conjunto de guizos - quando se tange o maior, o menor vibra, e quando se tange o menor, o maior vibra, sendo apenas preciso dar tempo a que esmaeçam os respectivos sons; o mau respondedor é exatamente o contrário disto. Eis algumas sugestões quanto aos processos de ensinar e aprender.
O tipo de cultura que recorre à memorização de coisas, com o fim de dar resposta a certas perguntas, não qualifica a ninguém para ser professor. Um bom professor há de observar as conversas dos alunos; quando percebe que um deles está fazendo o máximo e não encontra a solução, então vai a ele e o esclarece - e se após a explicação o estudante não compreende, então é sinal de que ainda não está à altura do assunto e deve deixá-lo de lado.
O filho de um pensador naturalmente aprenderá a coser roupas de peles, e o filho do exímio fabricante de armas naturalmente aprenderá a fazer um chi (espécie de cesto, feito de tiras de bambu trançadas, para guardar grãos), e o amansador de cavalos começará por amarrá-los atrás da carruagem: a partir dessas três noções o gentil-homem é capaz de aferir o melhor método educativo. Os doutores da Antigüidade valiam-se da analogia para o estudo da verdade nas coisas.
O tambor não chega a produzir em si nenhuma das cinco notas musicais. e tampouco as cinco notas conseguem pôr-se em ritmo sem o tambor. A água não possui nenhuma das cinco cores, e todavia (na pintura) as cinco cores não poderiam brilhar sem a água. O conhecimento em si não se subordina a nenhum dos cinco sentidos, e no entanto os cinco sentidos nunca serão bem desenvolvidos se faltar o conhecimento. a professor não se filia às cinco categorias da hierarquia do clã, e entretanto não se uniriam pelo amor as cinco categorias hierárquicas do clã sem o professor.
O gentil-homem diz: “Uma personalidade forte não se adapta (necessariamente) a determinada profissão. Um grande caráter não qualifica (necessariamente) alguém para determinado serviço. Uma firme honestidade não faz (necessariamente) com que o homem mantenha sua palavra. Uma alta noção de tempo não torna (necessariamente) pontual a pessoa". Saber estas quatro coisas é realmente saber as coisas fundamentais da vida.
Ao fazerem suas oferendas aos deuses fluviais, os antigos reis sempre começavam o culto pelos deuses dos rios, antes de celebrarem aos deuses dos mares; foi estabelecida uma distinção entre a nascente e a foz, e saber essa distinção é saber o essencial.

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