por Alberto dos Santos Matias em China - de Confúcio a Mao-tse-tung (1967), Editora Europa-América; Lisboa
Chu Yuang-chang foi o terceiro plebeu fundador de uma dinastia, tendo sido o primeiro Liu Pang, tronco da ilustre casa Han, e o segundo Chou Wen, criador da primeira das chamadas «Cinco Dinastias».
O antigo bonzo budista, que adoptou o nome Ming «Claridade» para a sua dinastia, além de ser conhecido popularmente por «Imperador Mendigo», em alusão ,à extrema pobreza da sua juventude, teve o desprimoroso cognome de «Cara de Suíno», dada a sua estranha parecença com tal animal.
Todavia, revelou altas qualidades de dirigente e organizador na difícil tarefa de pacificar o vasto império e de restaurar a ordem chinesa antiga. Assim, moveu uma campanha contra os seus rivais internos, suprimindo-os um a um, sem perder de vista a fronteira setentrional, onde os Mongóis faziam pressão em tentativas de contra-ofensiva. E, para estabelecer os quadros de uma nova nobreza, premiando ao mesmo tempo os seus apaniguados e familiares, criou uma espécie de feudalismo com senhores locais seus dependentes através de todo o império.
Sucedeu-lhe um neto, Huei-ti, que foi destronado pelo poderoso príncipe de Pequim, Chu-ti, seu tio, o qual transferiu a capital do ,império de Nanquim para Pequim, onde se manteve até à revolução de 1926.
Embora eivada de corrupção, devido principalmente à influência dos eunucos na vida da corte, a dinastia distinguiu-se por ter sido o quadro de acontecimentos inéditos na sua tomada de contacto com povos ultramarinos, mau grado a exacerbação, da tradicional xenofobia.
Data dessa época a manifestação da expansão nipónica no continente, iniciada com a prática da pirataria ao longo da costa e no interior dos estuários e braços dos rios chineses e corroborada com a primeira guerra sino-japonesa (1592-1607), provocada pela ambição do famoso ministro japonês Hideyoshi, que mandou invadir a Coréia, reino vassalo da China.
A insularidade do novo inimigo e a necessidade de proteger contra os piratas as extensas vias marítimas, pelas quais se fazia grande parte do comércio interno de distribuição de cereais, levaram os Ming a dispensar especial atenção à sua marinha.
Dessa necessidade de defesa derivou uma acção de expansão marítima que conferiu à dinastia a glória de ter 'atingido o mais alto nível na história da sua navegação. Para tal contribuiu o esforço do intrépido Zheng He, eunuco de fé muçulmana, ao serviço do imperador, no primeiro quartel do século xv. Zheng He, na sua primeira expedição, comandou uma esquadra de sessenta e dois navios tripulados e guarnecidos por cerca de trinta mil homens, atacando a ilha de Java. Em expedições sucessivas, acometeu Sumatra, Ceilão, 1ndia, Arábia, tendo, cerca de 1424, atingido a costa oriental da África e visitado a Pérsia com uma «corte» de soldados, marinheiros, médicos, engenheiros, artífices, intérpretes, num total aproximado de vinte mil pessoas.
Não obstante o prestígio político trazido por esses empreendimentos ultramarinos, bem caracterizados pela presença simultânea em Pequim, em 1483, de onze «embaixadores» de nações tributárias, as expedições cessaram bruscamente por razões ainda não bem averiguadas. Alguns historiadores conjecturam que os motivos fossem: o custo excessivo do equipamento dos navios, que não era compensado pelos produtos trazidos, visto que as caravanas vindas do Oeste forneciam os produtos mais baratos; a necessidade de guarnecer mais eficazmente a costa contra as crescentes surtidas dos Japoneses, e o predomínio da corrente política que proibia aos navios afastarem-se da costa, defendida pelos letrados e burocratas invejosos do prestígio dos eunucos, os mareantes de então.
Dessas expedições, todavia, advieram excelentes resultados de natureza cultural, não somente pelo conhecimento e adopção de objectos e produtos de terras longínquas, como também pela recepção e recriação de material literário, particularmente o de carácter imaginativo dos contos árabes, persas e hindus de que carecia o género novelista chinês, de essência realista.
Outro acontecimento de inegável importância no contacto internacional do Império do Meio foi a chegada dos Portugueses em 1514 e, em 1553, a sua instalação em Macau, que se tornou o núcleo de irradiação da civilização cristã e ocidental naquelas paragens. De facto, é de Macau que parte a missionar na China a plêiade de jesuítas europeus, cujos conhecimentos científicos lhes granjeiam um acolhimento excepcional na corte. Entre eles sobressai Matteo Ricci, que aliava aos seus profundos conhecimentos de matemática, geografia e astronomia uma rara habilidade para lidar com a estranha mentalidade chinesa. Ricci, italiano de nascimento, veio para Goa, e dali para Macau, em 1580 ou 1582. Em 1601 há notícia da sua residência na corte imperial, onde a sua erudição científica, a afabilidade do seu trato e a sagacidade da sua conduta conquistaram a boa vontade do imperador, a admiração dos letrados e a estima do povo em geral. Ricci obteve, assim, permissão para edificar igrejas em Pequim, fazer sermões públicos, tendo deixado, ao morrer, em 1613, centenas de convertidos, um dos quais foi o membro do Conselho Imperial Xu Guang-qi, autor de um compêndio de agricultura e co-tradutor com Ricci de obras sobre matemática, astronomia e hidráulica. E, após Ricci, de Macau passaram à China João da Rocha, Manuel Dinis, Júlio Aleni (?) e Francisco Sambiasi (?), convocados pelo imperador, que lhes conferiu altas distinções pelos seus serviços na manufactura de canhões.
Dentro da sua política nacionalista de regresso às velhas fórmulas, várias práticas mongóis - como a cremação com imolação de escravos e concubinas - foram abolidas e restabelecidas outras.
Assim, o sistema competitivo de concurso para os cargos públicos foi posto novamente em vigor, calculando-se que no primeiro século da dinastia foram aprovados, além dos «doutores», cem mil funcionários civis e oitenta mil altos graduados militares.
Desta resoluta volta ao sistema de basear a ciência da administração em conhecimentos essencialmente literários resultou uma corrente de vivo interesse pela literatura, nos seus mais variados aspectos. É, todavia, a literatura de ficção a coroa de glória da dinastia Ming, como o teatro o foi dos Mongóis e a poesia dos Tang.
Diversas foram as formas e os temas da nova arte literária: narrativas guerreiras, romances de costumes, novelas eróticas, mas o primado pertenceu ao conto de conteúdo folclórico ou alegórico, já não mais escrito em chinês clássico, mas em língua vernácula ao alcance, das classes menos educadas.
A prova mais significativa da intensidade e vulgarização das letras é fornecida pela elaboração do famoso Yung-lo Ta-tien, enciclopédia de 11095 volumes, com 500 000 páginas, na qual trabalharam de 1403 a 1418, sob a direcção de vinte e cinco doutores, 2169 letrados e que,- segundo a definição de Swingle, era «um compêndio universal relativo à história, ética, ciência, indústria, arte, geografia, administração, religião, adivinhação, numa palavra, a todo o conhecimento humano dos Chineses até ao ano 1400».
Além do romance, outras expressões literárias tomaram forma definitiva, emancipando-se de formas originárias ou separando-se das afins, tais como a filologia, a crítica literária, a monografia científica, as enciclopédias de tipo de dicionário.
Nas ciências puramente abstractas, como a matemática e a geometria, e nas derivadas, como a astronomia e a geografia, consideráveis progressos foram feitos. mercê do cabedal científico dos Jesuítas, não obstante o escasso tempo em que freqüentaram a corte.
As tentativas de curar uma doença aparecida no princípio do século XVI e que se propagou com grande rapidez - a sífilis- deram extraordinário impulso à medicina. Uma enciclopédia médica ilustrada, publicada em 1578, e que custou ao seu autor vinte e cinco anos de trabalho, especifica cerca de duas mil drogas de origem, animal, vegetal e mineral e inclui mais de oito mil receitas.
Com a aventura marítima chinesa dos primeiros decênios do século XV e com a chegada dos Portugueses ao Indico e ao Pacífico a instalação dos Espanhóis nas Filipinas, novos produtos agrícolas foram introduzidos na China: o milho. a batata doce, o amendoim, o tabaco. o cacto, cujo emprego para fazer sebes foi ensinado pelos Portugueses. Aos três primeiros produtos, pela melhoria que conferiram à dieta alimentícia, se atribuiu o crédito da duplicação da população chinesa durante os três séculos da duração da dinastia.
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