por Alberto dos Santos Matias em China - de Confúcio a Mao-tse-tung (1967), Editora Europa-América; Lisboa
Assim como em vários aspectos a dinastia Song marca a fase final da idade clássica da China, também a dinastia mongol dos Yuan, pelo estabelecimento do convívio com o mundo conhecido, assinala o início da idade moderna. Convívio naturalmente limitado e condicionado, mas de todo o modo uma tomada contato muito profunda, somente possível pela natureza antichinesa, isto é, não xenófoba dos novos bárbaros senhores.
A origem dos mongóis não é exatamente referenciável, dada a distancia no tempo, agravada pela carência de documentos, que a sua primitiva cultura escassamente produziu. As fontes chinesas atribuem-lhes ascendência tártara, enquanto as lendas mongóis parecem indicar uma raiz turca ao referirem que a raça, tal como na mitologia turca, “nasceu da união de um lobo cinzento com uma cadela de cor pálida”.
Com relativa segurança, sabe-se que os mongóis são os descendentes de três grandes tribos de Ásia Central, que, depois de perderem o caráter pastorício com a domesticação do cavalo, se tornaram nómadas e guerreiros.
No final do século XII, uma das tribos obteve supremacia sobre outras e constituiu o poderoso e dilatado império mongol, sob a chefia de Temujin, nascido cerca de 1167, que, depois da sua coroação em Karakorum, adoptou o nome de Gengis Khan, isto é, o «Soberano Universal».
Efectivamente, Gengis Khan foi quase o senhor do universo. O seu império durante a sua vida e as dos seus imediatos sucessores atingiu uma extensão jamais igualada por outro da costa do Pacífico, entre o paralelo mais setentrional da Coreia e o mais meridional da Indochina, até ,à Ásia Menor, a Moscovo e às margens do Danúbio.
Seu neto, Kubilai Khan, aliando o seu poder militar à traição de colaboracionistas chineses, submeteu totalmente a China em 1280. Foi o primeiro imperador mongol da China, tendo adoptado o cognome de Yuan, «o Grande», e estabelecido a capital em Pequim, local- mais próximo da Mongólia do que as tradicionais capitais do império.
Apesar da sua superioridade militar e do seu considerável número, os Mongóis sentiam a fraqueza da sua posição em face do peso numérico dos Chineses. Por isso, lançaram mão de legislação racista, que lhes garantisse a segurança e predomínio. Dividiram, assim, a população em quatro grupos: Mongóis (subdivididos em mongóis antigos, tártaros brancos, tártaros negros e tártaros bárbaros); Turcos, Tangtus, Uigures e outros povos aliados da Ásia Central; Chineses do Norte; e Chineses do Sul.
O primeiro grupo, o dos Mongóis, era o privilegiado, detentor do poder militar e dos altos cargos do governo. Os Chineses do Sul eram a casta dos párias, pois lhes era negado um grande número de direitos. Assim, durante muito tempo não puderam casar fora da sua classe e, para que não pudessem comerciar, era-lhes vedado aprender qualquer língua estrangeira, mesmo o mongol.
Além desta discriminação puramente racial, a lei regulava em pormenor a catalogação da sociedade, estabelecendo dez classes: altos funcionários civis e militares, que correspondia ao grupo dos mongóis, funcionários subalternos, monges budistas, monges taoístas, médicos, artífices, caçadores, profissões diversas, incluindo prostitutas, letrados confucianistas e mendigos. Por esta ordenação de valores se verifica que os membros do escol de outrora, os letrados confucianistas, foram relegados à humilhante situação de penúltimos na escala social, em nível inferior ao das meretrizes e junto dos mendigos.
Era manifesto o propósito de aviltar os Chineses e de aniquilar os fundamentos da sua cultura, pois que os Mongóis, como se referiu, longe de serem xenófobos, protegeram e acarinharam ,estrangeiros indo ao ponto de os InvestIrem em altos cargos públicos.
Assim sucedeu com o célebre Marco Polo, o mais famoso da família 35, que gozou de excepcional prestígio nos dezessete anos passados na corte mongol, pois chegou a ser governador de uma província.
O seu livro As Viagens de Marco Polo foi tido como o primeiro e o mais perfeito elucidário da vida do Império Celeste, ganhando mesmo foros de monumento literário. Todavia, tal obra está longe de constituir uma fonte histórica de valor, pois o autor, enfermando do preconceito racista dos seus senhores, não teve contacto apreciável com os Chineses, cuja língua considerou inútil aprender, e, dessa forma, confunde deploravelmente a vida destes, atribuindo-lhes hábitos inverossímeis e passando em branco práticas e costumes que os caracterizavam.
O intercâmbio de pessoas, de idéias e de coisas aproximou a China da Europa e do resto da Ásia.
Como os Polos, outros estrangeiros, russos e asiáticos, residiram na China, e, em contrapartida, além da estada de peritos chineses em obras de irrigação da Mesopotâmia, há notícia de um mongol de Pequim ter visitado em 1287 Bizâncio, Roma e Paris.
A pólvora, a porcelana, as cartas de jogar e os tecidos estampados chegaram ao Centro da Europa através do Mediterrâneo, e os Chineses, por seu turno, adoptaram o sorgo, a vinha, aprenderam a refinar o açúcar e começaram a destilar vinho.
O traço da pintura chinesa predomina nas artes plásticas persas, especialmente nas miniaturas, e influencia mesmo pintores iconográficos europeus; a arquitectura, as obras de bronze e até a cerâmica recebem na China a inspiração da arte tibetana e hindu. No entanto, a criação máxima da dinastia mongol, o teatro - a sua única glória artística, no dizer ressentido de estetas chineses -, não recebe de fora qualquer contribuição, nem se afirma além-fronteiras. E, todavia, o teatro assume então o expoente mais elevado da arte dramática, isto é, o género lírico, combinando o diálogo, o canto e a dança, manifestados desde séculos independentemente e cujo conteúdo, afora os tradicionais poemas cantados das odes de Confúcio, não passava de jogralidades ou de espetáculo de mero divertimento.
O cristianismo estabeleceu o seu primeiro contacto por intermédio da família de Polo e de outros enviados do papa, mas a distância entre Roma e Pequim não favoreceu qualquer desenvolvimento.
Outro tanto não sucedeu com o islão, que, já com pontos de apoio próximos, na Ásia Central e na fronteira ocidental do país, se radicou definitivamente, embora com tímido proselitismo.
Levantamentos populares, iniciados no princípio do século XIV multiplicaram-se com o advento das calamidades. O mais poderoso foi conduzido por Guozu xing, filho de um adivinho, e secundado por Chu Yuang-chang, um monge budista, filho de camponeses.
O movimento, apesar da morte de Kuo, em 1355, tomou proporções muito amplas, constituindo-se um verdadeiro exército que derrotou repetidamente as forças mongóis. Em 1368, Chu Yuang-chang tomou Pequim, a capital do império, pondo em fuga o último monarca mongol, Chouen-ti, «o Dócil», que se refugiou nas planícies do Norte, donde haviam vindo os seus antepassados.
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