Teorias - A natureza da paisagem chinesa

O desaparecimento da moldura, própria dos quadros ocidentais, a extensão o espaço figurado e a habitual ausência de personagens, produzem um silêncio e uma densidade extraordinários na representação da paisagem chinesa; é como se alguma coisa indefinível emanasse das brumas, dos picos sobrepostos, dos vales escuros, dos abetos estranhamente atormentados, dos rios sem fim, dos mares sem linha de costa e sem horizontes. É uma estética evocadora de sonhos, fantasias, estados de ânimo; uma atmosfera mística, aprazível e grave envolve o espectador. Se este é chinês, surgirão na sua memória versos, melodias musicais, imagens e recordações pessoais; se a obra de arte faz parte da sua coleção, acrescentar-lhe-á um pequeno poema, com o seu selo pessoal, no qual expressará o que sentiu, e estas linhas irão juntar-se às que decoram os espaços livres da pintura. Os colecionadores apreciam-nas particularmente.

A estética chinesa conhece a perspectiva, mas desdenha-a e considera-a inferior e demasiado conforme com a realidade. Este conceito é novo no Ocidente. O problema da distância e dos primeiros planos resolveu-se na China de maneira diferente do que na Europa. A visão chinesa da paisagem deve ser total para poder compreendê-la por completo; o artista chinês busca, como os nossos pintores abstratos, uma pura emoção estética, um estado de ânimo uma experiência espiritual; recorrerá à figuração natural porque ela lhe serve de suporte, embora muitas vezes realize tal estilização, como em Mi-Fu (ativo entre 1051-1107), que nos dá a impressão de nos encontrarmos diante de uma obra ocidental de vanguarda.

A perspectiva chinesa é de três espécies: perspectiva a grande distância, na qual o artista contempla um vasto horizonte coroado por altas montanhas, que se perdem entre as brumas; perspectiva partindo da base das montanhas, que enchem toda a paisagem com as suas pesadas moles; perspectiva horizontal, a mais próxima da européia, na qual os planos se sucedem até um horizonte distante e plano. Em geral, nas perspectivas chinesas, a linha do horizonte situa-se bastante alta e as linhas paralelas não se reúnem num único ponto de vista. O sentido do espaço indefinido, panorâmico, impõe-se de imediato. Também criam perspectiva os claro-escuros, os cinzentos dos planos distantes, o jogo de brumas que tão bem souberam conjugar os artistas chineses. Os azuis das montanhas que se perdem na linha do horizonte conhecem-se na China desde a antiguidade. Por outro lado, o artista chinês prefere a perspectiva cavaleira, em geral, a partir do cume de uma montanha.

Podemos nos dar conta, por conseguinte, da importância das montanhas na estética chinesa; impõe-se com toda força e beleza, dominam as planuras, as suaves colinas; os riachos deslizam no fundo dos vales e passam sob as débeis pontes de madeira, perto das choças dos camponeses situadas entre abetos. Por cima destas paisagens familiares, as empinadas e descarnadas encostas dos maciços montanhosos caem diretamente sobre o solo, e, no céu, são cortados pelas brancas brumas que isolam os altos cumes da terra: efeitos fantásticos e poderosos que os pintores chineses preferiram sempre aos planos das orlas do mar.

por Jean Riviere, em "Arte Oriental"

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