Física

A física chinesa nunca se preocupou com átomos ou teorias atômicas. No século IV a.C., parece que os moístas tiveram alguma inclinação nesse sentido e, no século I d.C., o budismo trouxe consigo idéias atômicas, mas o panorama geral chinês se concentrava no crescimento e diminuição mútua das duas forças, Yin e Yang. Era um ponto de vista cíclico que levava a um universo permeado de contínuas mudanças em forma de ondas. Hoje, na moderna ciência ocidental, o movimento cíclico do tipo ondulatório é parte da explicação que damos para as mudanças que ocorrem no universo. Esse é apenas um aspecto de uma elaborada e poderosa teoria atômica, mas isso não altera sua importância no pensamento científico. É interessante, então, verificar que, desde os tempos muitos antigos, os chineses também usaram uma forma de teoria ondulatória para justificar as mudanças que ocorrem por todo o mundo natural; enquanto Yin crescia, Yang diminuía, e depois, enquanto Yin diminuía, Yang crescia novamente. Tão poderoso é esse conceito chinês que alguns físicos atômicos modernos estão se voltando para as imagens chinesas, numa tentativa de explicar suas teorias do comportamento das partículas subatômicas.
Os chineses também eram peritos em medições práticas, como se deveria esperar, talvez, de uma nação que foi bem-sucedida em todos os campos da engenharia. Tinham um sistema métrico desde os tempos mais remotos, e eram pioneiros em muitos domínios da estática - forças, pesos, alavancas, balanças, etc. -, pois os moístas davam contribuições valiosas nesse campo já no século IV a.C. Tentaram também lidar com corpos em movimento, esforço que não continuou na China como ocorreu no Ocidente, com os primeiros estudos do movimento feitos pelos gregos. Além disso, foram os moístas que começaram o estudo da óptica na China, discutindo sombras e notando, desde logo, o fato de que a luz viaja em linha reta. Fizeram experiências também com a "câmara escura" e sabiam como a imagem de uma cena distante se inverte quando a luz passa por um pequeno buraco. Entretanto, na China, como no mundo muçulmano, a câmara escura só se firmou no século VIII d.C. Espelhos planos e côncavos eram objetos de estudo, e os moístas conheciam o que hoje se chama de imagens "reais" e "virtuais", fornecidas pelos espelhas côncavas; em todas essas matérias eles parecem ter sobrepujado os gregos, que, como vimos no último capítulo, tinham algumas idéias fundamentalmente erradas sobre luz e visão. É verdade que, quase na mesma época em que os moístas desenvolviam seu trabalho na China, Euclides, em Alexandria, escrevia uma série de teoremas de óptica; mas seu estudo em relação a espelhos está desaparecido, e é provável que não tenha atingido o estágio alcançado pelos moístas devido a concepções erradas prevalecentes entre os gregos.
Na China, espelhos côncavos queimadores eram empregados na vida prática, e no período Han, grandes espelhos de metal eram de fato comuns, mas como no Ocidente, desconheciam-se os espelhos de vidro, eles seriam inventados apenas no século XIX. Os chineses estavam familiarizados também com lentes queimadoras. No século X, moldaram lentes de várias formas e sabiam que, enquanto algumas aumentavam as imagens, outros podiam produzir uma imagem reduzida (lentes diminutivas), embora isso não os tivesse levado a usar óculos ou a desenvolver um telescópio. As lentes chinesas eram feitas de cristal de rocha que ocorria naturalmente, embora pareça provável que o vidro também tenha sido usado, ao menos do período Han em diante, pois a China teve uma indústria de vidro já no século VI a.C.
Em todas as civilizações primitivas, a música agiu como um estímulo para o estudo do som, embora o grau científico desse estudo dependesse das atitudes mentais a respeito de investigações dessa natureza; ele podia permanecer em um nível puramente artístico. Mas na China, como na Grécia, era um estudo particularmente voltado para uma medição cuidadosa. Havia uma diferença, contudo: enquanto os gregos estavam interessados principalmente em analisar o som, os antigos chineses tendiam a observar os relacionamentos, pois isso tinha afinidade com seu modo de pensar, mais de acordo com sua visão orgânica do universo, onde tudo guardava alguma relação com alguma outra coisa. Assim, enquanto os gregos procuravam descobrir por que a forma de uma flauta alterava a altura de seu som, os chineses estavam mais interessados em sons harmoniosos ou, em termos modernos, em ressonâncias harmoniosas. Tais sons são ouvidos, por exemplo, quando se tange uma corda de um instrumento musical, transmitindo-se vibrações a outras cordas. Para os chineses, isso era meramente um exemplo de um relacionamento natural em um mundo natural; nada havia de maravilhoso nisso. Uma vez que as notas em que as cordas eram afinadas mantinham um relacionamento específico entre si, estavam orientadas para ter ressonâncias harmoniosas, pois essa era a forma como o mundo estava construído.
Na China, nos tempos mais primitivos, os sons também tinham relacionamentos não-científicos; os chineses uniam o som ao paladar e a cor em algumas cerimônias religiosas. Mas isso não evitou que se mantivesse também uma atividade científica paralela. Os sons foram classificados por timbre e por altura, e se especificaram várias escalas musicais. Isso, por sua vez, exigia uma afinação perfeita. Tal foi conseguido, parcialmente, pela ressonância; um sino devidamente afinado podia servir como padrão e faria com que outro sino tocasse em ressonância quando estivesse corretamente afinado. Além disso, vasos cheios ou parcialmente cheios com quantidades específicas de água eram usados como ressonadores para dar os tons padrão, e muitas vezes se usavam sinos para ajudar a afinar cordas. Nada disso era exclusivo da China, mas o que era peculiar nesse país era a precisão obtida: isso era parcialmente devido ao uso de sementes de painço como medida de capacidade de flautas de calibres semelhantes, o que pode ter derivado de um desejo básico de medir capacidades de recipientes de vários tipos. Mas, certamente do período Han em diante, tornou-se um método padrão de afinar flautas. Os chineses também reconheciam que o som era uma vibração: não eram os únicos a pensar assim, mas certamente deram uma contribuição especial, e o resultado de seu trabalho científico sobre o som foi a evolução de uma "escala de igual afinação". Esse é o tipo de escala adotado atualmente no Ocidente; permite mudança rápida de uma chave para outra Foi usado - pode-se quase dizer apresentado - por J. S. Bach em seu Cravo bem temperado; tal escala era comparativamente nova mesmo no princípio do século XVIII, tendo sido introduzida no Ocidente por volta de 1620. Entretanto, era conhecida e trabalhada na China por Zhu Zai Yu (Chu Tsai-Yu), em 1585, e há razões para se pensar que a escala ocidental se originou na China.
De todos os trabalhos dos chineses em física - e é evidente que esse foi um campo em que eles deram muitas contribuições importantes - o mais significativo foi a invenção da bússola magnética. Esse fato é particularmente interessante, pois é um primeiro exemplo de os processos de magia conduzirem a uma descoberta científica. Aparentemente começou no século III a.C., com o uso das placas dos adivinhos. Essas eram operadas por adivinhadores da sorte, preocupados com os negócios de Estado, e consistiam em duas partes, uma superior e outra inferior. A superior, que representava o céu, girava em um pino, sobre o disco inferior, que simbolizava a Terra. A placa superior tinha a constelação circumpolar norte da Grande Ursa ou do Arado e ambas as pranchas eram marcadas com os "pontos da bússola", ou direções, com um intervalo de 15 graus entre si. Para a adivinhação, "peças" que simbolizavam vários objetos eram atiradas nas placas e o adivinho então lia o futuro baseando-se em suas posições. Uma das peças simbólicas tinha a forma de uma colher, a qual simbolizava a Ursa. Rodavam rapidamente e, em certa época, não após o século I d.C., essas colheres rotativas substituíram toda a parte superior da placa de adivinhação.
Assim como muitas outras civilizações primitivas, os chineses conheciam as propriedades magnéticas naturais da magnetita (uma forma do óxido de ferra), e nos tempos antigos, seu poder de atrair o ferro era considerado mágico. No segundo ou no primeiro século antes de Crista, isso levou os adivinhos a usar a magnetita para confeccionar algumas das peças das placas de adivinhação, e a própria colher passou a ser produzida com esse material. Logo depois, assim que a colher passou a substituir a placa do "céu", sua posição, que agora ficava no centro da placa, convenceu os adivinhos de que era verdadeiramente um objeto mágico, pois seu cabo apontava sempre na mesma direção, e passou a ser conhecida como a "colher que aponta para o sul". Certamente, tal colher se movia aos trancos - a fricção se encarregava disso -, e assim se incrementou a prática de fazer a colher de madeira com uma peça de magnetita em seu interior: mais tarde, despida já dos contornos de uma colher, passou a ser montada sobre um pino ou colocada boiando na água. Essa foi a essência da bússola magnética, que apontava para o sul em vez de para o norte, que se tornou um objeto familiar no século I d.C. No século VI, os chineses descobriram que pequenas agulhas de ferro podiam ser magnetizadas caso fossem esfregadas com um pedaço de magnetita e, mais tarde, perceberam que era possível magnetizar o ferro aquecendo-o ao rubro e depois esfriando-o, enquanto se mantinha o ferro estendido na direção sul - norte.
A bússola magnética "mágica" foi usada inicialmente na construção de obras públicas e edifícios privados. Tempos depois, foi adotada pelos marinheiros e era comum nos navios chineses talvez desde o século X e, certamente no século XI; seu uso pelos chineses para a navegação precedeu, assim, sua adoção no Ocidente em pelo menos cem anos. Mas isso não é tudo. A utilização da agulha magnética trouxe maIor precisão na observação das direções magnéticas e, desde a dinastia Tang, levou os chineses a descobrirem que o norte e o sul magnéticos não coincidem com o norte e o sul geográficos, descoberta que não foi feita no Ocidente senão após mais de setecentos anos.

in Ronan, C. História Ilustrada da Ciência pela Cambridge University. Rio de Janeiro: Zahar, 1986


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