Química

Como disciplina científica, a química é uma matéria bastante recente; só no Ocidente, no século VII, é que a química científica se desenvolveu, e se passou um século para que ela atingisse a China. Ao longo do tempo, certamente, os chineses adquiriram uma enorme quantidade de conhecimentos de química prática, como o fizeram os povos de outras civilizações, e esse conhecimento não deve ser desprezado. Com suas técnicas e suas aplicações à medicina, ele formou uma base essencial sem a qual a ciência da química nunca se teria desenvolvido.
A química chinesa primitiva - ou talvez devêssemos chamá-la "protoquímica" ou até mesmo "alquimia", embora tenha ultrapassado esse estágio - deu uma série de contribuições valiosas ao conhecimento básico daquilo que viria a ser a ciência química. Começou, como provavelmente em todos os outros lugares, como um desenvolvimento da arte de cozinhar, mostrando-se um estudo muito adequado aos daoístas; tinha um lado místico, pelo menos do modo como a praticavam e lhes permitia não só filosofar, como também usar as mãos A química nada mais é que uma ciência prática, de laboratório, e o trabalho prático que exigia significava que os daoístas podiam demonstrar claramente a diferença existente entre suas perspectivas e as dos confucionistas, que adotavam uma postura de superioridade em relação a todas as práticas artesanais. Mas havia mais do que isso. O principal objetivo dos daoístas era a busca da imortalidade física; procuravam meios pelos quais pudessem impedir o envelhecimento. Para conseguir isso, advogavam uma série de métodos, que incluíam ginásticas, exercícios respiratórios e o uso de remédios especiais, muitas vezes preparados com minérios. Dedicavam especial atenção ao modo como os corpos eram enterrados.
A imortalidade sempre lhes escapou, mas, na sua procura, reuniram muito conhecimento de química. Um aspecto disso revelou-se num trabalho arqueológico recentemente realizado na China. As escavações de um túmulo em Honan trouxeram à luz um sarcófago que, quando aberto, mostrou conter o corpo de uma mulher, a "senhora de Tai". Embora ela tivesse morrido por volta de 186 a.C. - mais de 2 000 anos antes - o corpo parecia o de uma pessoa cuja morte tivesse ocorrido há apenas uma semana ou pouco mais; a carne, por exemplo, ainda se mostrava suficientemente elástica para retornar ao normal depois de pressionada. O corpo não estava, porém, embalsamado, mumificado, curtido, ou mesmo congelado; sua preservação se devia a um líquido de cor marrom, contendo sulfureto de mercúrio, mantido dentro de um sarcófago que estava, par sua vez, dentro de outro, fortemente selada com camadas de carvão e argila branca pegajosa. O ar nos sarcófagos era constituído principalmente de metano e estava sob alguma pressão. Assim, o sepultamento preservou o corpo no que hoje chamaríamos de condições anaeróbicas; ele estava hermeticamente fechado e impermeável à água, e a câmara mortuária garantiu que a temperatura se mantivesse razoavelmente constante a cerca de 13 graus. Há muitas lendas sobre daoístas que realmente conseguiram manter a integridade do corpo, e provas obtidas com a escavação de Honan tornam claro que nem todas são mitos; o conhecimento da preservação química se encontrava em um estado evidentemente adiantado, mesmo no século II a.C.
Ao praticarem sua mística alquimia, os daoístas estavam em sintonia com os protoquímicos de Alexandria, da Índia e, na verdade, de todas as civilizações em que se faziam tentativas não apenas de investigar a química das substâncias naturais, mas também de transformar metais ordinários e abundantes em ouro, que era não só mais raro, como muito mais bonito. A palavra "alquimia" certamente deriva do árabe, mas, o que é muito interessante, o próprio árabe derivou do chinês, e não do grego, do egípcio ou mesmo do hebraico, como se pensava anteriormente. Os daoístas, então, podem ter tido influências muito além de seus círculos imediatos; a atividade alquimista geral, que encontramos em toda parte - uma atividade que adotou uma visão "orgânica" de muitas substâncias, que concebeu experiências como cópias de sua gestação no útero da Terra -, pode ter devido algo a eles. Era certamente uma perspectiva que se adaptava bem à visão chinesa do universo como um organismo. Mas os daoístas também foram auxiliados por outros aspectos da filosofia chinesa; a teoria dos cinco elementos ajudou-os a classificar várias substâncias e a fazer experiências apropriadas com elas, enquanto a doutrina das duas forças os levou a uma idéia de fluxo e refluxo, a um sentido de mudança cíclica em que, assim que um processo atinge a seu ponto máximo, seu oposto deve começar a se afirmar.
Suas experiências levaram-nos a projetar uma variedade de aparelhos químicos especiais, que incluíam artigos como fornos e fornalhas especiais, assim como vasos nos quais as reações químicas podiam processar-se em condições de isolamento. Muitas vezes tais reações significavam o estabelecimento de altas pressões, e freqüentemente se usavam recipientes de metal resistente, muitas vezes envoltos em arames para evitar que toda a retorta viesse a explodir. E, embora os chineses nunca tenham inventado termômetros propriamente ditos, seus alquimistas e protoquímicos certamente sabiam da importância de algumas reações se realizarem sob certo calor; por isso, criaram banhos de água e outros estabilizadores de temperatura. Balanças romanas eram usadas para a pesagem e - o que era muito engenhoso - utilizavam-se de tubulações de bambu para ligar uma peça do aparelho a outra.
Talvez, porém, a peça mais significativa tenha sido o alambique. Derivava, basicamente do pote de cozimento neolítico, o li. Tinha três pernas ocas; mais tarde desenvolveu-se em um tipo especial de vaso duplo de vapor, o zeng (tseng), que tinha, com efeito, um segundo vaso montado sobre o primeiro, separado por uma grade perfurada. Para finalidades químicas, o segundo vaso era envolto por um recipiente com água para resfriamento, de tal forma que as substancias evaporadas se esfriavam e se condensavam em seguida; gotejavam, então, sendo coletadas em uma pequena xícara. Esse desenho, que foi usado por toda a Ásia Oriental, era diferente do tipo de alambique empregado em Alexandria; nesse caso, o material destilado era trazido para fora, por um tubo, para um vaso coletor; o resfriamento que devia ocorrer era conseguido apenas pelo ar que circulava em torno do tubo exterior. O desenho básico do alambique chinês é por nós empregado, hoje em dia, no moderno alambique molecular, usado para a extração de pequenas quantidades de compostos complexos, mas pode ter sido um aperfeiçoamento do tipo alexandrino ou helenístico. Este último data de algum tempo antes do ano 300 d.C., enquanto o chinês foi criado, provavelmente, no século IV d.C., embora possa ser anterior a essa época. O que não deixa dúvida, porém, é que a destilação era amplamente praticada na China do século VII, durante o período Tang. Além disso, o resfriamento imediato do material destilado, que o alambique chinês conseguia, era importante quimicamente; tal processo de resfriamento só se tornou disponível no Ocidente quatrocentos ou quinhentos anos mais tarde.
Uma das técnicas do alambique chinês utilizada pelos protoquímicos era a destilação do álcool; para isso, é imperativo um sistema de resfriamento, caso contrário o álcool se perde. Eles também praticavam um processo especial de congelamento; tratava-se de um método em que se congelava a água para deixar livre o álcool. Essa técnica, que não exige o alambique, produz uma forma de álcool muito concentrada, que os chineses parecem ter conhecido já no século II a.C.
Com o passar do tempo, os conhecimentos de química foram se acumulando. Alguns minerais eram preparados em formas apropriadas para uso medicinal - os sulfetos de arsênico eram um exemplo disso - o que representou uma grande antecipação em relação ao seu uso no Ocidente, onde os minerais não foram usados em tratamentos médicos antes do século XVI. Industrialmente, os chineses tornaram-se peritos na extração do cobre pela precipitação desse metal com soluções, e também usaram um tipo fraco de ácido nítrico para obter substâncias insolúveis com condições normais. Esse trabalho colocou-os em contato com o nitrato de potássio, ou salitre, que usaram em experiências em combinações com o carvão e o enxofre, substância que já era conhecida há muito tempo. As experiências podem ter sido feitas - e provavelmente o foram - com o propósito de obter um elixir que ajudasse a conseguir a imortalidade, mas, qualquer que tenha sido a finalidade inicial, levaram os chineses à descoberta da pólvora. Esta era usada em fogos de artifício e para fins militares, tendo sido empregada em combate pela primeira vez no século X, durante um período em que o país estava novamente dividido em facções guerreiras. Durante os duzentos anos seguintes, ela tomou parte, regularmente, em ações militares na China, mas não se tornou conhecida fora desse país até o século XIII, quando foi usada no mundo muçulmano; chegou à Europa no século XIV.
Então, que podemos dizer, em suma, da química chinesa? Em seus aspectos mais místicos e mágicos, abriu caminho para a descoberta de métodos sem paralelo para a preservação dos mortos e, em seus aspectos mais práticos, trouxe avanços industriais, militares e médicos. Cientificamente, os chineses também deram notáveis passas à frente, pois muito cedo compreenderam que as reações químicas podiam prover não só misturas como também substâncias totalmente novas, enquanto seus protoquímicos também desenvolveram tabelas de substâncias e o conhecimento do modo pelo qual reagiam, antecipando-se assim à idéia ocidental da afinidade química, que evoluiu no século XVII. Além disso, a química chinesa parece ter contribuído muito em matéria de pesar e medir as proporções das substâncias que tomavam parte nas reações e, assim, os chineses obtiveram alguma percepção daquilo que os químicos modernos chamariam de combinação de pesos e proporções, importante aspecto da pesquisa moderna. Além disso, sua preocupação com a precisão iria contribuir para o nascimento da química moderna.

in Ronan, C. História Ilustrada da Ciência pela Cambridge University. Rio de Janeiro: Zahar, 1986


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