Embora, de acordo com a história da dinastia Han, a política imperial dos imperadores Han tivesse aberto as longas estradas comerciais da Ásia Central para Pártia, Batriana e muitos outros remos da Ásia ocidental, e até trouxesse aos chineses certo conhecimento do império romano, (1) as desavenças internas na China e as guerras constantes entre as tribos que habitavam a Ásia central tornaram os contatos culturais extremamente arriscados. Tais contatos, contudo, continuaram, e o budismo, conforme vimos, fez-se sentir, mais e mais, na China. Pode ser que viajantes dos credos zoroastriano, maniqueu e nestoriano ocasionalmente penetrassem a capital chinesa. Sabemos que durante o século VI AD eram freqüentes as relações entre a China e a Pérsia e que se estabeleceu um templo zoroastriano em Ch’ang-an, o qual se reconstruiu em 631 AD por ordem do imperador quando um padre Mu-lu ou zoroastriano foi recebido na corte. (2)
Mas foi durante a dinastia T’ang que essas religiões ocidentais encontraram apoio na China, tal como o islão no século VII;
“Os imperadores T’ang não receavam o comércio estrangeiro como uma ameaça ao estado, enquanto que o espírito de curiosidade intelectual e a tolerância que marcavam a época encorajavam uma atitude simpática para com as idéias artísticas e religiosas de origem estrangeira... A corte T’ang acolhia estrangeiros, interessava-se por costumes e religiões estranhas e recebia amigavelmente padres e viajantes das regiões ocidentais.” (2)
Os templos que tiveram permissão de ser construídos na capital e em algumas das cidades maiores eram, em primeiro lugar, para uso de estrangeiros, mas as conversões chinesas foram numerosas.
O zoroastrismo existiu na dinastia T’ang principalmente para ir de encontro às necessidades dos refugiados persas que haviam fugido para a China quando da queda da dinastia Sassânidas e da conquista da Pérsia pelos muçulmanos (637-42 AD). O último imperador Sassânidas, Yesdegerd, tinha apelado para os chineses para o ajudarem contra os muçulmanos, e embora não viesse uma ajuda militar direta, o filho de Yesdegerd, de nome Firuz, dirigiu-se a Ch’ang-an onde foi nomeado general da guarda imperial. Morreu em Ch’ang-an e deixou um filho que é conhecido somente pelo nome chinês de Ni-ni-shih. Os refugiados persas tinham permissão de construir templos e praticar o zoroastrismo, mas parece que não fizeram conversões entre os chineses. Com a grande perseguição de todas as religiões estrangeiras em 843-5 AD, o zoroastrismo morreu na China.
A história do maniqueísmo na China é mais interessante e a extensão da sua influência muito maior Mani, um profeta persa que fora condenado à morte em 274 AD, tinha combinado elementos do zoroastrismo, do cristianismo e do budismo para criar uma religião “gnóstica” eclética baseada num dualismo que tinha como alvo a libertação do princípio da luz do cativeiro da matéria. A nova fé parece ter sido muito bem sucedida e espalhada pela Ásia, ganhando a obediência de vários povos nômades. Há prova de influências maniquéias sobre o tauísmo desde os fins do século IV AD (4). De acordo com as fontes chinesas (5), o maniqueísmo entrou na China em 694 AD, mas foi nas primeiras décadas do século VIII que os Uighurs se converteram ao maniqueísmo, e os chineses estavam em constante contato diplomático com esse povo forte e viril. Durante a revolta de An-lu-shan nos meados do séculto VIII, os Uighurs deram ao imperador valiosa assistência militar. Muitos deles tiveram permissão de se fixar na China, o que levou à tolerância e à expansão do maniqueísmo e à construção de vários templos. Descobertas arqueológicas na Ásia central revelam que o maniqueísmo foi forte em Turfan e noutros lugares. Têm-se recuperado valiosos textos maniqueus do mosteiro budista em Tun-huang. (6) Entre os anos 766 e 779, foram construídos templos maniqueus em Ching-chou em Hupeh, em Yang-chou, Nanquim e mesmo para sul, como Shao-hsing na província de Chekiang. As comunidades que eles serviam incluíam grande número de convertidos chineses.
Quando os Uighurs foram definitivamente batidos pelos Khirgiz em 840, os maniqueus da China não se puderam mais apoiar na protecão uighur e em 843 AD um decreto imperial ordenava a confiscação das suas propriedades, a aniquilação pelo fogo dos livros maniqueus, e a destruição dos seus templos e imagens. Mais de setenta freiras maniqueias foram condenadas à morte na capital, Ch’ang-an, e em todo o império os padres desta religião tiveram de abandonar as suas roupas próprias e aceitar o estado laico. O maniqueísmo na China nunca recuperou deste golpe, embora os ensinamentos de Mani pareçam ter exercido considerável influência até às dinastias Sung e Yüan. Ê provável que a seita visitada por Marco Polo e seu tio, quando visitaram a cidade de Fu-chou, e que Marco Polo acreditou ser cristã, fosse, na realidade, de cripto-maniqueus. Sem dúvida que o cálculo de Marco Polo de que nessas regiões do sul da China havia setecentas mil famílias que aderiam a essa “desconhecida” fé é muito exagerado, mas que havia grande número que não eram tauístas, nem budistas nem muçulmanos, não resta dúvida. (7) As relações comerciais por via marítima com o Golfo Pérsico durante as dinastias Sung e Yüan levaram ao estabelecimento de templos para servir as necessidades das comunidades estrangeiras que residiam nos grandes portos comerciais. Investigações recentes em Ch’uan-chou, perto da costa da província Fukien, por Wu-wen-liang (8), têm provado que existia um pequeno templo maniqueu nas colinas fora da cidade (familiarmente conhecido por Zaiton) na dinastia Yüan. Uma imagem de Mani na sala central do templo é muito diferente, em estilo, de qualquer imagem budista. Um grande halo de luz cerca a cabeça, enquanto que duas longas tranças de cabelo descem pelos ombros. Perto, uma inscrição em pedra, a maioria da qual é agora indecifrável, indica que a imagem foi erigida em 1340 AD por um discípulo, Ch’ên-ch’i-tzu, ao passo que outra inscrição do ano 1426 AD exorta os homens a meditarem na pura radiância, na sabedoria onipotente e na pureza sem par do ilustre Mani. Os adeptos do maniqueísmo foram gradualmente absorvidos pelas seitas budistas ou tauístas até praticamente não restar vestígios deles.
Notas
1. Hou Han Shu, capitulo 118; Cf. C. P. Fitzgerald, China, Londres, 1935, edição revista, 1950, cap. 8.
2. L. Wieger, A History of the Religious Beliefs and Philosophical Opinions in China, tr. E. O. Werner, Hsien-Hsien, 1927, p. 533; E. H. Parker; China and Religion, Londres, 1905, p. 110.
3. C. P. Fitzgerald, China, p. 325.
4. Werner Eichhorn, capítulo 10 sobre Tauísmo em Concise Encyclopedia of Living Faiths, ed. R. C. Zachner, Londres, 1959, pp. 387, 394-6.
5. Tung Hêng, ‘Mo-na Chiao ju Chung-kuo K’ao’, en Kuo Hsüeh Chi K’an, vol. 1. N0 2.
6. P. Pelliot, ‘Two new Manichaean manuscripts from Tun-huang’, J.R.A.S., 1925, p. 113.
7. Travels of Marco Polo, tr. R. E. Lathom, Londres, 1958, pp. 207-8.
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