Matemática, Aritimética, Álgebra e Geometria

Os gregos, como sabemos, tinham aptidão para a geometria. Os chineses, não; em vez disso, tinham uma queda pela álgebra e pelas formas de escrever números. A escrita dos números é mais importante do que pode parecer à primeira vista, pois, na verdade, é o modo de registrar operações matemáticas como a multiplicação e a divisão, para não citar tipos mais complexos de operações de matemática superior. Assim, na Europa do século XVIII, embora lsaac Newton e Wilhelm Leibniz tivessem inventado o cálculo independentemente um do outro, não foi na Inglaterra que se fez imediatamente um progresso subseqüente, mas, antes, na França e na Alemanha, primeiramente porque Leibniz escreveu as operações de modo mais explícito do que Newton. A escrita dos números propriamente ditos é da mesma forma importante para o progresso matemático, qualquer um que duvide disso deveria dividir CXLIV por XXIV, usando sempre os números romanos; a natureza embaraçosa do empreendimento logo ficará óbvia!
O método chinês de escrever os números desenvolveu-se de modo gradual no correr dos séculos, naturalmente, mas já atingira alto grau de simplificação no século III a.C., quando foi usada a notação de valor-lugar. Quer tenhamos consciência disso ou não a notação-lugar automaticamente nos acorre hoje em dia quando escrevemos 1, II, III, e assim por diante, usando os lugares dos números para designar dezenas, centenas, e assim por diante. Parece óbvio. Mas nem todas as civilizações pensaram assim. E a respeito dos numerais em si?
No século III a.C., estavam em uso formas de numerais que empregavam linhas retas. Isso seria mais bem facilmente compreendido como coleções de pequenas varetas, uma para o 1, duas para o 2, e assim por diante, e a mudança do traçado indicava as potências de 10. Assim, a número 11 236 apareceria em chinês como _??. Notem que, enquanto o chinês é escrito de cima para baixo, seus números se escrevem como os nossos, horizontalmente. Os números aparentemente surgiram com o uso de placas de contagem. Trata-se de tábuas planas com linhas traçadas, sobre as quais se colocam pequenas varetas ou bastões, As varetas registram um número e, quando se realiza uma operação subseqüente, como soma, subtração, multiplicação ou divisão, as varetas apropriadas trocam de posição, são retiradas ou outras são adicionadas. É um sistema flexível, que, em mãos chinesas, permitiu desenvolvimentos consideráveis, não apenas em aritmética como também em álgebra. Não se sabe quando isso começou, mas as placas de contagem podem datar de 1000 a.C., e os numerais com varetas de contagem antes descritas podem ter estado em uso dois séculos depois.
O sinal para o zero - um lugar vazio na placa de contagem - veio depois. Foi impresso pela primeira vez somente no século XIII d.C., mas pode ter sido adotado cem anos antes. Sugeriu-se que tenha derivado da Índia, no século IX, embora pesquisas recentes tenham indicada que a situação pode não ter sido tão simples assim. Logo após 683 d.C., as primeiras inscrições que usavam zero apareceram simultaneamente no Camboja e em Sumatra, e, por várias razões, não é improvável que o zero tenha se originada não na Índia propriamente dita, mas em uma área situada no limite entre as culturas da Índia e do Extremo Oriente. Possivelmente, o espaço vazio da placa de contagem chinesa possa ter tido seu papel específico nisso, ao lado de idéias como o "vácuo" dos filósofos indianos e o "vazio" mencionado no misticismo taoísta.

Tipos de números
Na maior parte das civilizações, houve uma tendência a evitar frações, sempre que possível, mas isso nunca ocorreu na China, e, na época Han, os chineses se tornaram peritos em frações. Estavam também familiarizados com um sistema decimal que parece ter começado muito cedo, pois os rudimentos podem ser encontrados nos documentos moístas do século IV a.C. Em épocas ainda mais remotas, no tempo dos ossos-oráculo de Chang, os chineses eram capazes de expressar números muito grandes - coisa de que poucas civilizações podiam se orgulhar - e, por volta do século II d.C., estavam usando o que hoje chamamos de "potências de dez". Assim, 100 é 10², 1000 é 10³, e assim por diante (o pequeno número elevado, ou 'índice", indica o número de zeros, isto é, o número de vezes em que 10 é multiplicado por si mesmo). É evidente que os chineses não escreviam 10³, mas tinham símbolos que expressavam a mesma idéia.
No Ocidente, sempre houve dificuldades quando se chegou aos "surdis" (palavra derivada do latim "estúpido"). Esses números estúpidos, ou irracionais, eram, como a raiz quadrada de 2, aqueles que não podiam ser expressos como a relação entre dois números inteiros, como uma fração do tipo 1/2 ou 3/4. A raiz quadrada de 2, expressa como decimal, é 1,4142136...Mas essa incomensurabilidade parece não ter criado problema algum na mente dos chineses, enquanto para os gregos parecia realmente irracional, pois não se podia estabelecer uma relação direta com ela, Os chineses não tinham problemas quando se deparavam com números negativos; em suas pranchas de contagem, as varetas vermelhas representavam números positivos e as negras, números negativos - isso pela menos desde o século II d.C. Na Índia, tais números não apareceram antes do século VII e, na Europa, não antes do século XVI.

Aritimética
Assim como praticavam os processos básicos de aritmética e estudavam quadrados, cubos e raízes, como já vimos, os chineses ficavam intrigados com as relações dos números em si. Nisso seguiam o padrão de muitas civilizações primitivas. Em um estágio muito antigo da história chinesa, os números ímpares eram julgados aziagos e os pares, afortunados. Estudaram-se padrões de pontos, como o foram na Grécia por Pitágoras e seus seguidores, para deduzir seqüências numéricas, e os chineses descobriram algumas relações desconhecidas dos gregos. Por exemplo, sabiam que a soma da seqüência de números ímpares é sempre um quadrado.
Os chineses também mostravam interesse pela "análise combinatória", o que revela sua curiosidade pelos "quadrados mágicos" - quadrados formados por compartimentos preenchidos com números cuja soma dá sempre o mesmo total, quer se tomem os números no sentido vertical, horizontal ou diagonal. O quadrado mágico poderia tornar-se elaborado - até se imaginaram quadrados tridimensionais - mas, em sua forma mais simples, parece ter origem pelo menos no ano 100 a.C., ou ainda mais cedo, embora esse assunto não se tenha desenvolvido senão 1 400 anos depois.
Os chineses sempre foram peritos em encontrar auxílios para o cálculo. Como outras civilizações primitivas, contavam nos dedos e empregavam a mais complicada técnica de destinar números para as juntas dos dedos, tanto quanto para os dedos propriamente ditos. Usavam também um barbante com nós, semelhante ao quipú peruano, embora esse método fosse empregado mais para registros do que realmente para executar cálculos. Mas seu mais eficiente artifício de cálculo primitivo era a vara de contar. Parece ter sido usada desde cedo e era ideal para o cálculo semimecânica; há muitas lendas acerca do uso desse instrumento, como a que envolve o astrônomo do século XI, Wei Po, que, dizem, movia as varas tão rapidamente que elas pareciam estar voando. Mas, depois do período Ming, pouco se ouviu a respeito das varetas, pois elas cederam lugar ao ábaco, um instrumento bem mais eficiente.
O ábaco chinês é chamado tanto de suan pan (placa de cálculo) como chu suan pan (placa de bola); prancheta retangular provida de bolas introduzidas em arames, o ábaco é provavelmente conhecido da maioria dos leitores. A primeira referência a esse instrumento não apareceu antes do ano 1593 d.C.; por isso algumas vezes se pensou que fosse desconhecido na China até o século XVI. Contudo, alguns textos tornam claro que a referência de 1593 é tardia: admite-se que não se trata realmente do ábaco, mas de uma "aritmética de bola", tipo de cálculo executado em madeira escavada, provida de arames e bolas. Essa descrição aparece num livro datado do século VI d.C, e sua fonte de informação remonta ao final do século II d.C. Uma vez que há outras referências a descrições semelhantes, parece que o ábaco já era conhecido no século VI e possivelmente no século II d.C. Em outras civilizações primitivas, o "mecanismo" é formada por pedras que se deslocam dentro de ranhuras. O método das pedras pode muito bem ser originário da Índia, no século III ou IV d.C., como um aperfeiçoamento das antigas bandejas de areia ou pó empregadas no Mediterrâneo para realizar cálculos. Estas foram bem conhecidas dos gregos, dos egípcios e até mesma dos babilônios.

Álgebra
Hoje, quando falamos em álgebra, pensamos no uso de combinações de letras e números, de equações como x ² + 5x - 6 = 0. Os chineses praticavam a álgebra desde os tempos mais antigos e registravam o resultado totalmente em palavras, embora essas palavras tivessem um significado especifico em seu contexto matemático. Só raramente e muito mais tarde é que usaram símbolos matemáticos. Entretanto, também empregaram prancha de contagem para a álgebra, e, no período Sung, isso foi desenvolvido em um método de anotação tão completo que podia envolver equações de potência muito elevada - podiam resolver equações contendo x elevado a nona potência. No entanto, apesar desse extraordinário progresso - e não há dúvida de que foi o máximo da álgebra chinesa - o trabalho não teve seqüência, pois os chineses não tinham uma teoria geral das equações, tal como foi desenvolvida no inundo ocidental, para conseguir solucioná-las.
A ausência de uma teoria algébrica entre os chineses, contudo, não lhes inibiu a habilidade de resolver grande número de problemas usando a álgebra. No período Han, eram capazes de resolver equações lineares simultâneas (equações com duas, três ou mais quantidades desconhecidas) e, mais tarde, no século IV d.C., até equações indeterminadas (que possuem mais incógnitas do que equações para resolvê-las diretamente). Equações quadráticas (equações com x ²) também podiam ser resolvidas desde cedo, e eles estavam igualmente cientes de algo que hoje chamamos de "método das diferenças finitas", o qual pode ser usado, como o era pelos chineses no século VII, para resolver problemas relacionados ao movimenta aparente do Sol no céu. No século XIV, haviam desenvolvido esse método até um grau desconhecido na Europa de três ou quatro séculos depois.
Os algebristas chineses estudaram séries matemáticas (séries de números ligados um ao outro de maneira específica) e também investigaram formas matemáticas para expressar permutações e combinações de objetos. Além disso, ao resolver equações de potência muito elevada, fizeram uso do que hoje chamamos de "teorema binomial", que se refere a expressões de dois termos (binômios), como (x + 1), que, se multiplicadas por si mesmas, dão como resultado uma série de termos. Com alguns exemplos, poderemos ver como isso acontece: (x + 1) ² = (x + 1) (x + 1) = x ² + 2x + l e (x + 1) ³ = (x +1) (x + l) (x + 1) = x ³ + 3x ² + 3x + 1. Assim, torna-se claro que, quanto mais multiplicações (ou potências) tivermos, maior será o número de termos na série. Mas, se observarmos os números colocados à esquerda dos x (isto é, os coeficientes), poderemos ver que há um padrão entre eles, Os de potência 1 - isto é, (x + 1)- são 1, 1; os de potência 2 - isto é, (x + 1) ² - são 1, 2, 1; os de potência 3 - isto é, (x + 1) ³ - são 1, 3, 3, 1, e assim por diante. De fato, eles podem ser dispostos em forma de uma tabela:

potência 1 1 1
potência 2 1 2 1
potência 3 1 3 3 1
potência 4 1 4 6 4 1
potência 5 1 5 10 10 5 1
etc.

Desde o século XVII d.C., esse arranjo numérico tem sido conhecido como "triângulo de Pascal", pois foi elaborado por Blaise Pascal, embora tenha aparecido um século antes num Livro de Peter Apian. O triângulo é empregado na análise matemática das probabilidades: assim, a segunda fileira (potência 2) mostra o número total de maneiras ou permutações em que duas moedas podem cair numa superfície com a cara ou coroa voltadas para cima (há uma possibilidade de dar duas caras, duas de dar uma cara e uma coroa e uma de duas coroas); a terceira fileira (potência 3), o mesmo jogo de probabilidades, com três moedas, e assim por diante. Entretanto, o que nos interessa no momento é que os chineses conheciam isso pelos indianos cinco séculos antes de Pascal, pois foi exposto pelo matemático Jia Xien (Chia Hsien), no período Sung, em 1100, e é provável que tenha aparecido pela primeira vez um pouco antes disso. Na China, porém, o triângulo de números aparece de lado, indício para os historiadores de que os avançados métodos algébricos Sung eram, de fato, originários do uso de varetas em uma placa de contagem.
Que conclusões podemos tirar da matemática chinesa? Primeira, parece bastante claro que os chineses nunca elaboraram qualquer prova rígida, como fez Euclides em seus Elementos, possivelmente por não terem criado uma lógica formal, de acordo com regras estritas, como fez Aristóteles na Grécia; sua mente parece ter-se dirigido a outros objetivos. Na China, a matemática estava ligada à solução de problemas específicos - era utilitária. Os chineses nunca se ocuparam com a matemática por diletantismo. Isso não quer dizer que não tenham conseguido realizações nesse campo; certamente o fizeram. Extraiam raízes quadradas e cúbicas, lidavam com frações (escrevendo os números em colunas verticais, como o fazemos) e também com números negativos. Provaram as relações do triângulo retângulo e determinaram áreas e volumes de diversas figuras geométricas; descobriram uma forma de encontrar proporções (a "regra de três") e a "regra da falsa posição" para resolver equações; praticaram análise indeterminada, calcularam diferenças finitas e conheciam o que passou a ser chamada de triângulo de Pascal.

Geometria
Embora os chineses não tenham sido geômetras - nunca desenvolveram uma geometria dedutiva como fizeram os gregos - preocuparam-se com algumas questões geométricas, De fato, no século IV a.C., os moístas chegaram a dar algumas definições geométricas de pontos, linhas e certas figuras geométricas, quase na mesma época em que Euclides escrevia seus Elementos, em Alexandria, Mas esse foi um caso isolado. Os chineses nunca deram seqüência a esse trabalho, embora tenham desenvolvido sua própria teoria referente aos lados do triângulo retângulo, a qual era diferente da enunciada por Pitágoras. Por volta do século II d.C., os chineses haviam determinado as áreas de quase todas as figuras e os volumes de vários sólidos, provavelmente recorrendo a modelos reais como orientação, algo que os gregos, de mente filosófica, jamais pensariam em fazer.
Um problema básico enfrentado por todas as civilizações primitivas era a determinação da área do círculo, pois essa medida auxilia o Solução de muitos outros problemas. Reduzido aos seus elementos básicos, o problema consiste em determinar quantas vezes o raio de um círculo pode ser contido dentro de sua circunferência. Essa razão é um número expresso pela letra grega pi (p)- O valor real de p é 3,1415926536 ... Os egípcios não conseguiram obter um valor exato, nem os babilônios; os gregos concluíram que ele se situava entre 3,1408 e 3,1429, mas os chineses, finalmente, foram mais felizes. No século I d.C., esforçaram-se por obter um valor exato, calculando a área do maior polígono regular que eles conseguiam inscrever num círculo e da menor que podiam circunscrever. Quanto maior o número de lados dos polígonos mais próximas suas áreas estariam uma da outra e mais próximas estariam do verdadeiro valor de p. Um grande passo foi dado no século V d.C., com os cálculos de Zu Chong Zhi (Tsu Chung-Chih) e seu filho Zu Geng Zhi (Tsu King- Chih), que finalmente obtiveram um valor situado entre 3,1415926 e 3,1415927, o qual foi verificado nove séculos depois por Zhao Yu Qin (Chao Yu- Chin), que usou polígonos de até 16 382 lados para fazer essa verificação. No Ocidente, tal valor não foi obtido antes do século XVII.
Antes de encerrar o assunto 'geometria", vale a pena notar que os chineses deram os primeiros passos no desenvolvimento da geometria de coordenadas, forma em que linhas e curvas são representadas por fórmulas algébricas. Os chineses criaram as coordenadas básicas, provavelmente derivadas de seu mapeamento e de sua compilação de tabelas históricas, nas quais as entradas eram feitas em um sistema de coordenadas, como em um mapa. Concluíram também que uma fórmula algébrica podia expressar uma razão geométrica de modo inigualável apreciando isso porque era justamente o modo pelo qual resolviam problemas geométricas. Os chineses conseguiram isso no século II d.C, mas foi somente no século XVII que essa geometria de coordenadas foi desenvolvida no Ocidente, embora de uma forma bastante aperfeiçoada.

in Ronan, C. História Ilustrada da Ciência pela Cambridge University. Rio de Janeiro: Zahar, 1986


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