O Século 14

Cerca de 1300, o mundo inteiro, de Palermo a Quioto, mudou violentamente de fisionomia. Gengiscão (1162- 1227) e Frederico II (1194-1250) estiveram na origem desta mudança. A Europa venceu pouco a pouco o seu atraso em relação à China, que sob o domínio dos Mongóis empobreceu em homens e em bens. Um importante número de chineses emigrou, no século XIII, para o Japão, onde, desde o inicio do século, em Kamakura, um regente enérgico governava o país e estava pronto a acolher os imigrantes. Por duas vezes, em 1274 e em 1284, os Mongóis tentaram a conquista do Japão, mas o “vento dos deuses” favoreceu os Japoneses, fazendo soçobrar a frota mongólica. Nesta época, o Japão sofreu a forte influência da pintura Song.
Os quatro grandes mestres chineses da época Yuan criaram um estilo inteiramente novo, com as suas obras picturais, claras e frequentemente transparentes, de uma frescura outonal. A riqueza das tonalidades, as nuvens vaporosas e envolventes, os efeitos de atmosfera, que conferiam às paisagens Song um ambiente tão poético, desapareceram simplesmente. Ao mesmo tempo, os pintores abandonaram a composição por toques sucessivos e pintaram grandes vistas de conjunto de densa composição. Por outro lado, realizaram o antigo ideal do pintor-poeta, segundo o qual era desejável que qualquer pintor fosse simultâneamente poeta.
Os quatro grandes - Huang Kong-wang, Wu- Tchen, Wang-Meng e Ni-Tsan -, sem falarmos dos seus discípulos, poder-se-iam contar entre os maiores mestres da história universal da arte. Nenhum, contudo, iguala Ni-Tsan (1301-1374), que é ao mesmo tempo um grande poeta lírico e o mestre das paisagens em que, quando muito, o abrigo de um telhado ou algumas cabanas desertas evocam a humanidade. Ni- Tsan escrevia poemas, que mais tarde foram copiados e publicados separadamente. É considerado ao mesmo tempo como o tipo clássico do poeta lírico, desprendido do mundo, solitário e ligeiramente misantropo, e como o mais puro representante de um estilo paisagista que consegue manifestar, com as linhas e as manchas de tinta raras e delicadas, a solidão da natureza. Uma inscrição em prosa de 1353 fala da sua melancolia, que nunca é soturna, porque sabe ser capaz da amizade e da alegria:
No fim do Inverno de 1352 quis ir a Wu-Song. A barca passou em frente de Fou-li. Como o velho (Lou). Sian-su aí tinha uma casa onde vivia retirado, prendi a minha barca na ilha do sul. Mudou a lua quatro vezes. O filho mais novo de Sian-su, Chu-yang, tinha-se tornado, seguindo caminhos secretos, um mestre dos «chapéus amarelos» (os tauistas). Banqueteamo-nos com vinho e com poesia. No vigésimo dia do terceiro mês escreveu um poema, veio ter comigo e ofereceu-mo. Logo pintei esta paisagem, que lhe ofereci, dizendo-lhe que se Wang-Meng (Chu-Ming) o visse, teria certamente um ataque de riso.
Aquele que vai errando como as ondas: Ni- Tsan.
A imagem possui no lado esquerdo um segundo poema de Sin-Pen, poeta e pintor célebre, que tinha conhecido Ni- Tsan e que profundamente deplora a perda do grande mestre:
A corrente da luz afasta pouco a pouco a onda fugitiva.
Poesia e pintura, houve, sim, no tempo de Yong Ho.
E embora o grou de Liao visite ainda
as velhas paredes, os antigos lugares,
quase nada fica do espírito de outrora.

As lacas
Na mesma época -final do século XIV-, aparece uma forma de arte que se inclui entre o que o Extremo Oriente criou de mais original, a arte da laca. Uma vez mais, é aos peregrinos japoneses na China e ao amor dos budistas Zen japoneses pela arte chinesa que devemos a possibilidade deste estudo. Entre estes amadores contavam-se então, no primeiro plano, os regentes e os xóguns, que desde o século XIV governavam em Quioto. Desejando possuir imagens e objectos chineses para a cerimônia do chá, que então começava a desempenhar uma função importante na civilização japonesa, os seus mandatários adquiriam em Tsia-sing, perto de Hang-Cheu, bandejas e caixas de perfume de laca vermelha esculpida. Os mestres Tchang Tch'eng e Yang Mao, que assinaram estes objectos com um fino risco de agulha, ganharam a celebridade por via do Japão. No templo Zen, em Quioto, conservam-se quatro das suas obras. Mas em breve a sua técnica teve imitadores no Japão, onde um mestre se distinguia quando recebia o título honorífico de Yosei.
Os mestres Yosei trabalham ainda hoje, na sua vigésima segunda geração; pode encomendar-se-lhes uma laca cinzelada no estilo de Tchang Tch'eng, que dificilmente se distinguirá de um original antigo. A sua fama chegou até à corte do imperador da China, o enérgico Yong-lo (1403-1424). Terceiro imperador da dinastia Ming, expulsou os Mongóis, transferiu de novo a capital para Pequim e quis que esta fosse dignamente decorada. Para as oficinas da corte, renovadas graças aos seus cuidados, chamou os mestres de Tsia-sing, que infelizmente tinham falecido entretanto. Foram os seus descendentes quem introduziu em Pequim a técnica da laca cinzelada. Como outrora, assim hoje se considera uma laca da época Yong-lo ou Siuan-to como uma obra-prima do seu gênero.[...]

W. Speiser e E. v. Erdberg-Consten “Extremo Oriente”. Lisboa: verbo, 1969


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