O Yin - Yang, sombre e luz

No século XIII a. C. a capital da dinastia Chang encontrava-se em Ngan-Yang, na província de Honão. Há cerca de cinquenta anos, as escavações descobriram mais de cem mil carapaças de tartaruga, sobre as quais haviam sido gravados sinais de escrita. Estas carapaças e estas inscrições, que serviam para a prática dos oráculos, contêm os nomes dos reis que os livros de história posteriores mencionam. São abstracções pictográficas estes sinais da escrita, representando as coisas e não a pronúncia. No total, já se dispunha de cerca de três mil caracteres, que, em grande parte e sob formas diversamente estilizadas, ainda se empregam actualmente. Estes textos relativos aos oráculos documentam-nos pouco acerca da vida quotidiana da época, mas muito sobre a vida religiosa e espiritual. Os dois conceitos, de certo modo arquetípicos, do Yin e do Yang (que na sua origem significam o Escuro e o Claro) já então eram correntemente empregados. Até hoje, os Chineses não pensam em verdadeiras oposições, entendendo estas como aparências que se completam e que não podem, em absoluto, existir uma sem a outra.
Conseqüentemente, o conhecimento dos conceitos do Yin e do Yang dá-nos a chave da mais antiga das artes, cujas realizações mais preciosas são os belíssimos bronzes sagrados encontrados em grande quantidade, principalmente nos túmulos dos reis antigos. Houve grande dificuldade em descobrir o sentido das inscrições que figuram neles. Para nos atermos ao essencial, podemos resumi-lo assim: no centro da civilização camponesa e da vida rural de então, que abrangia somente alguns centros urbanos, encontrava-se a terra, substância sombria, tranqüila e fértil, da qual toda a vida procede e à qual tudo o que é vivo regressa. Ofereciam-se-lhe sacrifícios, e a ela se destinavam altares ao ar livre; também se lhe referem as inscrições mais antigas.
Na Antiguidade Chinesa, para figurar as forças inacessíveis que se encontram em todas as religiões primitivas, empregava-se o animal de maneira quase exclusiva.
Os antigos caracteres das inscrições relativas aos oráculos que designam as serpentes e os dragões devem considerar-se sinónimos, e a representação do dragão com o sentido que terá mais tarde parece não ter existido nesta época. A par de bronzes de animais facilmente identificáveis aparecem combinações de corpos de serpente e cabeça de tigre, com chifres de boi ou de carneiro. Mil anos mais tarde, quando o significado destes símbolos compósitos já não era apercebido, foram designados por uma palavra estranha e intraduzível: t'ao-t'ieh.
Considera-se o espírito transparente, móvel, que não possui substância, um elemento secundário e fraco, como uma criatura da terra. Era simbolizado pela representação do ar e pelos animais que o habitam, nomeadamente as corujas. Mais tarde, o faisão, por exemplo, foi considerado símbolo do claro Sol e do princípio Yang. O ciclo no qual a vida se cumpre, começando na terra e finalmente regressando à terra, é significado pela representação de grilos - erradamente qualificados de cigarras -, cujas larvas
vivem na terra, que depois saem na Primavera para se metamorfosearem em animais do ar que, de novo, confiam à terra os seus ovos. Estas idéias fundamentais, muito simples, com múltiplas variantes, fornecem a chave-mestra da arte religiosa da Antiguidade Chinesa. Nessa época não existe, a bem dizer, outra arte, e o facto de fundir em bronze, material então sem dúvida extremamente precioso, os objectos destinados aos sacrifícios correspondia a uma extraordinária despesa.
Um sumptuoso bronze sagrado deste género encontra-se no Museu de Etnologia de Munique. O corpo deste vaso, quadrangular e rigorosamente articulado, tem uma tampa que lembra um telhado. Os lados são ornamentados com motivos que, possivelmente, não possuíam finalidade decorativa, antes indicam o sentido religioso e a intenção desta oferenda.
Para melhor se compreender este mundo das formas convém sempre partir da representação dos olhos, o ele- mento que melhor se distingue. O triângulo inferior apresenta, por exemplo, um t'ao-t'ieh clássico, ou a sua cabeça sob a forma de máscara. Esta cabeça é dividida, por uma aresta média, em duas metades simétricas. Reconhecem-se os olhos e, ao lado, uma orelha; acima, um chifre curvo de carneiro, e, em baixo, os dentes arqueados para o interior. Esta máscara aparece ainda no cimo, enriquecida com um corpo de serpente que possui uma espécie de patas. Ao lado vê-se um pássaro de perfil, que olha para o exterior.
As asas do vaso retomam também o tema do t'ao-t'ieh, que aparece ainda na tampa em forma de telhado. Mas aqui a máscara do t'ao-t'ieh está de certo modo invertida: os chifres estão em baixo e a fauce, com os dentes, abre-se para a parte superior em direcção ao orifício do defumador, protegido por uma espécie de telhado mais pequeno. Talvez seja temeridade interpretar esta representação como se os t'ao-t'ieh, símbolos da terra, expulsassem o ar deste habitáculo, mas um conhecimento mais exacto do simbolismo da época torna esta interpretação muito significativa.

W. Speiser e E. v. Erdberg-Consten “Extremo Oriente”. Lisboa: verbo, 1969


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