Escrita e Arte

Num domínio essencial, a China e o Japão distinguem-se do resto do Mundo, incapaz de nele os seguir e até de compreendê-los: trata-se da escrita e do valor supremo que estes dois povos lhe concedem. Não temos palavras para o exprimir, e aquilo a que chamamos “caligrafia” não é mais do que uma grosseira aproximação. A caligrafia é uma escrita ornamental, desenhada por especialistas ou por técnicos de arte; mas para os Extremo-Orientais a escrita não comporta apenas um alto valor estético: é a expressão e o próprio símbolo da arte humana e até da civilização. Segundo eles, só desde que se sabe escrever existe uma civilização; a palavra wen pode significar «literatura», «arte» ou «ornato».
A escrita é, simultâneamente, a primeira e a suprema arte do Extremo Oriente. A China é talvez o único país do Mundo em que existe uma arte livre, a da escrita, que se pratica apenas por si própria, sem qualquer finalidade lucrativa. Os instrumentos que servem para escrever são os mesmos que servem para pintar, e a quem aprende a escrever com ajuda do pincel faz-se pintar ao mesmo tempo algumas flores ou canas de bambu, a fim de formar o seu sentido da composição dos caracteres; assim, quem simplesmente aprendeu a escrever domina ao mesmo tempo os utensílios do pintor. Por volta do século IV a. C., a pintura torna-se passatempo dos espíritos mais delicados, que tiveram o mais severo treino, e que manejam o pincel com uma segurança funambulesca. Mas aprender a escrever significa também dizer-se o que se tem a dizer de uma forma perfeitamente clara e agradável e, por conseqüência, possuir um estilo, no sentido literário da palavra. Além disso, desde a época de Confúcio que os Chineses aprendiam de cor tanto cantos como poemas, que não se limitavam a ler: cantavam-nos. Disso resultaram quatro géneros essenciais: a caligrafia, a pintura, a poesia e a música, podendo somente eles ser considerados como artes livres e autênticas. Seria possível, embora difícil, fazer uma história do estilo das artes do Extremo Oriente, do século XIII aos nossos dias, seguindo unicamente a história da caligrafia.

W. Speiser e E. v. Erdberg-Consten “Extremo Oriente”. Lisboa: verbo, 1969


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