Texto de Análise - Técnicas de Datação na China Antiga

Técnicas de Datação da China Antiga
Individualmente, Dong Zhongshu e Sima Qian dominaram o panorama da literatura Han. Deles já tratamos na parte referente ao reinado de Han Wudi. A dinastia Han, por outro lado, marcou a época das recensões definitivas dos Clássicos confucianos. São essas as edições que nos chegaram, mas é necessário agir com prudência na análise das obras, uma vez que o trabalho dos Han foi de reconstrução de textos perdidos e ocorreram interpolações e deformações, voluntárias ou não. A dinastia Han usou o confucionismo para estabelecer sua legitimidade e, para esse objetivo, a "queima dos livros" em -213 foi mesmo útil aos Imperadores Han, pois facilitou-lhes alterações oportunas. A crença popular dava aos Clássicos uma autoridade quase sagrada e, se a dinastia Han, que, pelas origens plebéias de seu fundador, nada tinha de divino, pudesse encontrar um modo de basear seu direito de governar em idéias da alta antiguidade, ninguém contestaria sua autoridade. Assim explica-se, por exemplo, a tentativa dos "Wei Shu" de tornar Confúcio uma figura santa, que teria profetizado a ascensão dos Han. Por outro lado, já se disse que havia duas tendências na interpretação dos Clássicos: uma seguia a linha dita do "Jinwen" ("Escrita Moderna"), segundo a qual os Clássicos teriam sido transmitidos por tradição oral, isto é, letrados haviam-nos memorizado durante a interdição dos livros, registrando mais tarde seus textos em caracteres da época Han; outra advogava que livros isolados haviam sido escondidos durante a perseguição aos confucionistas por Qin Shi Huangdi e reencontrados durante os Han: tais textos apresentavam-se escritos em caracteres antigos (Guwen) e representariam os Clássicos em seu estado primitivo. Ora, os textos em "Guwen" poderiam apresentar alterações, pois nos diversos comentários aos Clássicos os autores colocavam suas opiniões pessoais em caracteres menores do que os do texto original, mas, nas cópias, muitas vezes havia confusão entre o trabalho primitivo e o dos comentadores e todos os caracteres apareciam de um só tamanho. Assim, a exegese dos Clássicos deve basear-se em critérios seguros e um deles é o gramatical. Sabendo-se que a gramática de uma determinada época seguia tais regras, podem naturalmente ser rejeitados os textos que as não respeitam. Por outro lado, a observação dos fenômenos naturais interessou desde muito cedo aos chineses. O registro de manchas solares, eclipses e terremotos consta de documentos históricos da China antiga, tais como os ossos divinatórios, e ajuda no estabelecimento da autenticidade dos textos filosóficos que, por ventura, mencionem os mesmos fenômenos.
O sistema chinês de datação nos textos anteriores aos Han era uma cronologia computada por ciclos de sessenta anos, em cuja notação se combinavam dez signos, chamados Tiangan ("Troncos Cel'estes"), correspondentes a planetas, com doze outros signos, chamados Dizhi ("Galhos Terrestres"), correspondentes a animais. Os dez Tiangan chamam-se: Jia e Yi (correspondentes a Júpiter), Bing e Ding (Marte), Wu e Ji (Saturno), Geng e Xin (Vênus), Ren e Gui (Mercúrio). Os doze Dizhi são: Zi (correspondente ao rato), Chou (ao touro), Yin (ao tigre), Mao (à lebre), Chen (ao dragão), Si (à serpente), Wu (ao cavalo), Wei (ao carneiro), Shen (ao macaco), You (ao galo), Xu (ao cão), Hai (ao javali). Os doze Dizhi são também usados para designar as horas chinesas (cada uma delas, equivalente a duas horas ocidentais). As combinações dos dez Tiangan com os doze Dizhi designam não só os anos, mas também os meses, os dias e as próprias horas. Os doze animais indicam, por sua vez, os anos. Assim, unindo-se o signo Jia (o primeiro Tiangan) com o signo Zi (o primeiro Dizhi), temos o ano de 1804, por exemplo. Sessenta anos depois, em 1864, a combinação será a mesma (Jiazi). Portanto, quando um texto chinês fala no ano Jiazi, tanto poderá tratar-se de 1804, quanto de 1864 ou de muitos outros, anteriores ou posteriores: 1744, 1924..., sempre separados por um intervalo de sessenta anos. Encontra-se ai um dos problemas desse tipo de datação, que se presta naturalmente a confusões. Os dicionários antigos (Mathew's Chinese-English Dictionary; Dictionaire Classique de Ia Langue Chinoise, de Couvreur) trazem sempre uma lista dos ciclos chineses e sua correspondência cronológica ocidental.
Para um exemplo prático com base nos Clássicos, vejamos o seguinte: o capitulo IV do Shujing, "O ensinamento de Yi" (Yixun), abre-se com a seguinte datação: "Wei Yuan Si, Shi You Er Yue, Yichou"... (= "No primeiro ano do reinado (de Taijia, o sucessor de Tang, o Vitorioso), na décima -segunda lua, no dia Yichou"...). Como o Shujing usou o reinado de Taijia como base para a notação do ano e a lua, para a do mês, naturalmente a combinação Tiangan - Dizhi foi usada para o dia. Jiazi, vimos, é o primeiro dia (ou mês ou ano) de um ciclo de sessenta; Yichou, união dos segundos elementos de cada coluna de signos, é pois o segundo dia (no texto, em virtude do que explicamos) de um ciclo de sessenta. O ano civil começava, durante a dinastia Shang, no segundo mês lunar após a data do solstício de inverno. Assim, tratava-se do segundo dia do décimo-segundo mês lunar do ano de -1542 (Taijia teria ascendido ao trono em -1544, segundo a cronologia dos "Anais sobre Bambu"). Na verdade, tal exatidão é utópica para qualquer data anterior a -841, a primeira realmente precisa da História da China, consignada em documentos. Toda a cronologia anterior a -841 é baseada em cálculos hipotéticos.
Com Han Wudi, criou-se um novo sistema de datação, o do "Nian Hao", que se traduz por "era de um reinado". O tempo de governo de um só Imperador poderia ter várias "eras", cada uma delas iniciada por um acontecimento extraordinário. Han Wudi teve, por exemplo, onze "Nian Hao" durante as cinco décadas em que reinou. Um eclipse poderia marcar o começo de um "Nian Hao" e assim aconteceu em -134, que assinalou a "era iniciada com a luz" (Yuanguang), prolongada até -128, quando um novo acontecimento excepcional trouxe uma mudança de denominação. Em -116, encontrou-se uma trípode de bronze julgada sagrada por ter sido fabricada na alta antiguidade: a era chamou-se "Yuanding" ("iniciada pela trípode Ding") e terminou em -110. Han Wudi fez estender o sistema à época de seus próprios antepassados.
Um outro método de datar empregava o título póstumo (Miao Hao) dos Imperadores, que se inscrevia numa placa guardada no Tempo Ancestral da dinastia. O nome pessoal do Imperador (Yuming) era tabu, pois os chineses acreditavam que pronunciá-lo era apoderar-se da alma do monarca. Assim, os historiadores usavam o título póstumo (Miao Hao), ao referir-se ao reinado deste ou daquele soberano. Por exemplo, o nome pessoal do fundador dos Han, Liu Bang, foi substituído, em toda a historiografia oficial, por seu titulo póstumo, Gaozu ("O Supremo Ancestral"). Desse modo, Sima Qian refere-se a Liu Bang por seu "Miao Hao", "Gaozu", embora em certos trechos, referentes a períodos da vida de Liu ainda sob os Qin (antes da fundação da dinastia Han), o método resulte num anacronismo do ponto de vista da narrativa.

Ricardo Joppert O Alicerce Cultural da China. Rio de Janeiro: Avenir, 1979

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