Da unificação à época Han

A época feudal termina de modo violento no ano 221 a. C. A região de Ts'in, no vale de Wei, pátria da antiga dinastia Tcheu, conquista, uma após outra, as várias províncias, ficando quase todo o território da China Interior reunido e submetido à autoridade central de um imperador, que toma o título de “Primeiro Imperador da Casa Ts'in” (Ts'in Che Huang-ti), e que declara assim abertamente a pretensão de, como Filho do Céu, exercer por sua vez a autoridade política.
O primeiro imperador Ts'in foi um amador de arte. Pelo menos, fez construir para si um palácio de lendária magnificência e um túmulo não menos admirado. Pouco depois da sua morte, porém, o palácio foi incendiado e o túmulo saqueado. Para os seus grandes empreendimentos artísticos organizou administrações centrais, ou sejam oficinas reais, cuja actividade continuou sob os imperadores Han. Desde então, nos vasos de bronze pode ver-se nitidamente a mudança de concepção: as inscrições já não falam da honra dos antepassados nem da concessão de feudos; apenas indicam, com grande exactidão, o peso dos objectos ou, tratando-se de objectos de laca, os nomes dos artesãos responsáveis por cada fase do trabalho e os dos controladores, a fim de que estes pudessem, por seu turno, ser vigiados.
Uma importante iniciativa do imperador, tanto para a China como para o Mundo, foi a unificação da escrita e a forma standard que lhe imprimiu. No tempo do pluralismo feudal, criaram-se numerosas formas particulares de caracteres e estabeleceram-se maneiras locais de serem lidos. O número de caracteres era teoricamente ilimitado; criaram-se - e ainda hoje se criam - novas combinações a partir de cerca de duzentos caracteres que compõem o fundo desta escrita ideográfica.
Todavia, os tipos de escrita impostos pelo primeiro imperador modificaram-se tão pouco até à actual escrita da imprensa que se lê tão facilmente como um jornal moderno uma inscrição chinesa gravada em pedra há dois mil anos.

A ÉPOCA HAN
Da época Han (200 a. C. - 200 d. C. aproximadamente) possuímos muitíssimos objectos, particularmente os vasos e as figuras extraídos dos túmulos por escavações clandestinas e vendidos no Mundo inteiro. Os vasos substituíam então, pelo seu baixo preço, os bronzes que na Antiguidade e na época feudal eram, por vezes, colocados em quantidades espantosas ao lado dos mortos. As cerâmicas da época Han imitam visivelmente as formas de bronze. Apresentam, por exemplo, anéis de preensão modelados, que nestes objectos não são mais do que ornatos fixos e inúteis. Também o vidrado, quase sempre verde ou castanho-avermelhado, visa lembrar a tonalidade do bronze. A técnica simples deste vidrado com chumbo expunha as superfícies a fácil ataque por parte dos elementos do solo; assim, muitos destes vasos adquiriram uma pátina de cores espelhantes, por vezes magnífica.
Nas paredes dos objectos mais em voga nesta época, quer seja nas jarras altas ou nas bilhas em forma de vasos e em recipientes mais baixos e arredondados, que imitam as formas das caixas de toucador em moda desde a época feudal, encontram-se todos os gêneros de representações dos atractivos da vida quotidiana e, em primeiro lugar, as cenas de caça. As mais das vezes caça-se a cavalo e dispara-se o arco em pleno galope, voltando-se o caçador para trás de acordo com a táctica dos cavaleiros partas contra os legionários romanos.
As abundantes figurinhas funerárias, envernizadas como os vasos ou quase sempre pintadas a frio para poupar uma cozedura, dão-nos em redução uma imagem da vida na época Han, imagem mais precisa do que a dos séculos seguintes. Servidores, servidoras, dançarinos, cavalos, cães e bois, instalações de cozinhas, lares e até casas inteiras e quintas acompanham o morto na sua sepultura. Contudo, na maior parte dos casos, é impossível datar exactamente estas reproduções, muito semelhantes entre si; poucas se elevam acima de uma qualidade média geral, apesar de possuírem sempre um certo encanto.
Estamos incomparavelmente mais bem esclarecidos pelas lacas descobertas em grande número, que nos oferecem algumas excelentes representações da vida quotidiana. A maior parte foi feita na província de Szechwan e difundida a mais de mil quilômetros de distância. Esta informação é-nos fornecida pelas inscrições que dão o ano preciso da execução de um grande número de taças nos primeiros séculos a. C. e d. C. As primeiras escavações importantes foram efectuadas no vasto recinto dos túmulos de Lo-Lang, em frente da actual Pyong-Yang, na Coréia do Norte. Mas foi em Tch'ang-cha, na China Central, que se encontraram recentemente lacas antigas, freqüentemente pintadas com extrema finura, que nos permitem imaginar o que terá sido
a grande pintura nos séculos que precederam a nossa era. Uma das taças descobertas em Lo-Lang que ostenta um
circulo protector de bronze, outrora dourado, apresenta sobre um fundo de laca hoje acastanhado, mas que originariamente era, decerto, mais escuro, e sob a forma de uma pintura em laca prateada quase pastosa, uma decoração fantástica constituída por linhas muito alongadas, que se enrolam na extremidade e nas quais se encontram as invenções e a caligrafia em volutas da época feudal. No espelho em forma de medalhão, destacado do fundo da taça, vêem-se três ursos dançando, dos quais apenas algumas poucas linhas de laca marcam os contornos, cada um deles numa moldura traçada com vivacidade e separado dos outros por uma fiada de pontos que igualmente lembram a técnica de granulações ou granalha aplicada então na China.
Se o efeito geral é espirituoso e cheio de verve, herança da época feudal precedente, o emoldurado do espelho redondo consiste apenas nas simples e secas figuras de quadrados e losangos que desempenharam tão grande papel na época Han. A unidade e a sobriedade da composição, que então se encontram também nas sedas, não reflectem somente as novas concepções da época Han; permitem a esta arte ser facilmente compreendida e procurada muito para além das fronteiras da China. As lacas, tal como as sedas, foram objecto de comércio com países muito distantes: a Mongólia, a Sibéria e até o Anão e o Meganistão.
A China, na época feudal, foi influenciada nas suas artes pela Asia Ocidental; doravante, será ela que influenciará o resto do Mundo. Por exemplo, retenhamos apenas a arte do Império das Estepes, do Altai à Hungria, que pode essencialmente datar-se graças às peças importadas da China, e à utilização de modelos chineses entre os Hunos, os Sármatas e outros povos cujos nomes nos dão muitas vezes apenas escassas indicações acerca da sua localização e da sua época.
Pelo caminho, tornado célebre, da «Estrada da Seda», cuja exploração fez a glória de um Sven Hedin e de Sir Aurel Stein, as sedas e outros objectos chineses chegavam até ao mar Negro, à Síria e a Roma. Este caminho conduzia, através do Pamir, a Damgan (no Irão) e, pela via do Tigre, a Dura-Europos e a Palmira (dois locais onde se descobriram importantes vestígios do comércio de sedas); mais longe ainda, até Antioquia, uma das quatro grandes cidades do Império Romano.
O que melhor nos elucida a respeito da arte da época Han são certamente os baixos-relevos das capelas funerárias, descobertas primeiramente no Xantum do Sul e depois em Setchuan. Perante os tumulus dos sepulcros propriamente ditos, de bom grado as famílias nobres erguiam capelas - simples edificações com o tamanho de um quarto, com um lado aberto, onde se sacrificava aos antepassados. As paredes de pedra eram ornadas com baixos-relevos, que, segundo todas as probabilidades, transpunham na pedra as imagens murais dos palácios e das casas.
Entre os mais notáveis exemplares destes baixos-relevos devem contar-se as lajes da capela do príncipe An, verossimilmente provenientes de Liang Tcheng-chan, no Xantum do Sul. Foram esculpidas cerca de 120 d. C., e mais tarde quebradas e utilizadas em outros edifícios, onde ainda provavelmente se encontram. Devemos a Adolf Fischer as fotografias originais, obtidas em 1906, destas lajes, que mostram acontecimentos da vida quotidiana. Um casal está sentado num pavilhão construído sobre um lago; numerosas servidoras estão sentadas à entrada do pavilhão, no telhado do qual um macaco pratica acrobacias; em baixo, os servos, em barcos, procuram arpoar magníficas carpas ou pescá-las com redês; na parte superior, quatro animais de caça completam a cena.
Ao lado destas imagens da vida corrente aparecem imagens históricas ou morais; em primeiro lugar, exemplos de amor filial, uma das virtudes cardeais na China. Por poucas idéias que estes motivos nos dêem do que na realidade foi a pintura, com os seus temas e a linguagem das suas linhas e das suas cores, não deixam, no entanto, dúvida alguma quanto à temática, à vivacidade das representações e à mestria técnica.

O DESTAQUE DO INDIVÍDUO
No século IV d. C., particularmente em Nanquim, apareceram dois novos factores a desempenhar funções de grande importância na arte chinesa até aos nossos dias. Wang Hsi-tche (321-379) inventou um novo estilo de escrita, utilizando as possibilidades do pincel terminado em ponta triangular e que, em regra, é seguro verticalmente sobre a folha de papel ou sobre a seda. Abandonou assim o sistema rígido e severo das linhas rectas, e ligou estas entre si, graças a arabescos cursivos. Desde então falou-se da «escrita-erva», que ondula, flexível, como a erva sob o vento, e que foi adoptada em numerosos manuscritos. Dois pormenores devem ser apontados para o profano: cada vez que se levanta ou se baixa o pincel seguem-se directamente as linhas traçadas, que se tomam então mais largas ou mais finas. Esta alternância de cheios e de finos tomou-se, depois de Wang Hsi-tche, critério da caligrafia estética e, um pouco mais tarde, da própria pintura.
Para desenhar os traços do pincel com o maior prazer possível, mantendo entretanto um controle absoluto, criava-se o hábito de fazer linhas desde o ataque até ao levantar do pincel, perfeitamente distintas umas das outras, mas com o mínimo possível de cortes. Em breve se executa um fundo com alúmen, sobre o papel ou a seda, a fim de que o pincel adira exactamente e a tinta não escorra. O que implica que os motivos devem ser pintados alIa prima, sem esboço prévio nem correcção ou repinte.
No Extremo Oriente os letrados eram raros, formando uma minoria que se encontrava, devido ao seu acesso a funções públicas, liberta de qualquer preocupação material. Os funcionários de nível inferior, os chefes de província, administravam e julgavam dezenas de milhares de homens. A China ultrapassou tudo, quanto ao pequeno número de funcionários que empregou, assim como quanto às exigências de perfeita moralidade e educação elevada que lhes impunha. Não bastava que pudessem ler os clássicos, mas ainda que os lessem e os compreendessem. Não deviam apenas saber escrever, como também tinham de ser capazes de bem escrever, nos sentidos tanto literário como caligráfico, e finalmente qualquer letrado devia poder compor um poema. Este ideal foi alcançado pela primeira vez por Wang Rsi-tche, o “mestre das três artes”, gênio autêntico - calígrafo, poeta e pintor -, que ocupou um posto de general.
Mas foram poucos os que atingiram idêntico plano. As obras de pintores livres e de alta cultura são nesta época extremamente raras, e os frescos executados por conscienciosos artesãos, nomeadamente nos túmulos, não se lhe podem comparar. Descobriram-se frescos desses no Ropei, no Liao-Ning (Manchúria) e na Coréia; mas ainda não é certa a datação da época em que foram criados, e somente correspondem a um pequeno contributo para o conhecimento da pintura chinesa propriamente dita. Possuímos ainda elementos muito insuficientes quanto às relações da arte com o budismo, que, desde 200 d. C., foi propagado e ardorosamente adoptado na China*.[...]
*[situação atualmente revista pela arqueologia e história da arte. N. T.]


W. Speiser e E. v. Erdberg-Consten “Extremo Oriente”. Lisboa: verbo, 1969


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