Fantasia das Linhas

A partir do começo do século V a. C., época de Confúcio, podemos seguir, graças a objectos datados, o novo estilo linear, ao mesmo tempo racionalista e cheio de espírito e de fantasia, no decurso dos séculos seguintes. Do ano 482, por exemplo, possuímos quatro sinos cuja data consta das inscrições.
Um destes pertence ao Museu de Amesterdão; a peça que serve para o pendurar transmite uma agradável impressão de linhas contínuas; a suspensão propriamente dita, consta de dois tigres com asas em forma de volutas sobre as articulações e a cabeça e com uma serpente na boca. Devemos observar, contudo, que na China Antiga nunca um tigre combateu com uma serpente ou tão-pouco comeu alguma. No meio da faixa inferior do sino reaparece uma máscara t'ao-t'ieh em relevo muito acentuado, perfeitamente reconhecível pelos olhos e narinas; esta máscara está, por seu turno, entrelaçada e rodeada de serpentes, que formam uma espécie de trança e terminam ora em cabeças de tigre ora em cabeças de ave.
A bela vasilha com tampa, da colecção Vannotti, totalmente decorada com silhuetas de contornos marcados fortemente e um modo muito espiritual, acompanhadas de quadrúpedes, é uma verdadeira obra de arte. Sobre a pátina, quase sempre lisa e de um verde profundo, sobressaem estes. perfis, realçados pelo vermelho das incrustações, provavelmente pela maior percentagem de cobre.
Entre os numerosos espelhos de bronze descobertos em Tch'ang-cha, o grupo com figuras de ursos possui encanto particular. A face anterior destas peças de bronze planas e circulares era perfeitamente polida e servia de espelho; a face dorsal, que tem uma pega no centro, era, por norma, ricamente decorada, e alguns motivos, a que se pode atribuir um significado astronômico, freqüentemente fazem pensar que várias destas peças tinham finalidade cultural, como mais tarde acontece no Japão.
Quatro ursos-lémures que dançam e mutuamente agarram as caudas deviam inspirar, decerto, um franco prazer, pois que a sua disposição ainda hoje nos agrada. As formas são tão naturais que um zoólogo não tem dificuldade em identificá-los. O movimento, particularmente o das cabeças voltadas de lado, quase não poderia ser manifestado de maneira mais concreta; e, no entanto, os contornos e as curvas, que mais não fossem os das caudas, são traçados com demasiado espírito para que possa falar-se de um estilo naturalista. Na época feudal encontram-se, sem dúvida, exemplos típicos de uma “renaturalização”; a própria figura dos dragões, animais sobrenaturais, ganha então, pela primeira vez, forma tipicamente chinesa: as acumulações de símbolos de todos os animais da terra, tal como se vê nos t'ao-t'ieh da Antiguidade, e os exageros contraditórios são eliminados; disso resulta um animal evidentemente fantástico.
O aspecto dos novos dragões, rodeados de variações espirituais de volutas triangulares, os motivos em feitio de gota, na pelagem de animais com formas plásticas perfeitas, e o significado da caligrafia, em arabescos da época feudal, manifestam-se de maneira exemplar no pequeno trípode com tampa, de bronze, com incrustações de prata, do Museu de Minneapolis, que pode datar-se do século III a. C., no apogeu e no fim desta época.

W. Speiser e E. v. Erdberg-Consten “Extremo Oriente”. Lisboa: verbo, 1969


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