Imagens poéticas da vida chinesa



Esses são alguns poemas que selecionei, quando fazia minhas traduções, pensando em como eles expressavam o cotidiano chinês. Estão aqui, para apreciação, mostrando um pouco da vida tradicional dessa sociedade.


ÓRFÃOS

Na vida de um órfão

em sua vida inteira

só ha sofrimento

quando estava com seu pais

andava numa carruagem

de quatro cavalos

meus pais morreram

e agora, minha cunhada me manda

ser mercador

vou ao sul, até jiujiang

vou ao leste, a qi e lu

só regresso no inverno

sem atrever-me a queixar

a cabeça cheia de piolhos

o rosto cheio de pó

meu irmão me ordena fazer comida

minha cunhada me ordena cuidar dos cavalos

vou, pois, a cozinha

e logo já estou na estrebaria

com lagrimas de órfão caindo como chuva

de manha, me enviam pelas águas

e só volto ao anoitecer

com as mãos gretadas

e os pés sem sapatos

andando pesaroso pelas estradas

pisando nos espinhos

ao arrancá-los a carne sai junta

e minha tristeza não tem fim

as lágrimas caem sem cessar

uma atrás da outra

no inverno não tenho abrigo

no verão não tenho uma túnica

para viver assim

seria melhor morrer

chegar, abaixo da terra, nas fontes amarelas

na primavera o vento agita

os tenros botões das ervas

no terceiro mês, folhas para os bichos da seda

ao sexto mês, colher os melões

empunho o carrinho de mão

e os levo de volta para casa

vez o outra volto ao meloneiro

poucos me ajudam

muitos comem os melões

só me restam as sobras

meu irmão e cunhada se enfadam

volto depressa ao trabalho

mesmo assim, eles me criticam

em casa gritam comigo sempre

quisera eu enviasse uma carta

aos meus pais, embaixo da terra

dizendo como é duro viver

com meu irmão e cunhada

(poema popular)



VISITA A UM POVOADO ARRASADO

Os galos brigavam furiosos

quando interrompi sua luta

eles fugiram espantados para o bosque

só então me ouviram chamar

saíram três ou quatro velhos

perguntando se eu vinha de longe

cada um tinha uma jarra de vinho

logo os bebi, rapidamente

se desculparam pelo vinho pobre

não havia nada para acompanhar

os ladrões e os soldados não lhes davam descanso

e os jovens haviam ido para a guerra

os velhos me pediram para cantar

lhes custou reprimir as emoções

acabando o canto, olharam para o céu

suspiraram, e choraram todos

(Dufu)



UMA MULHER POBRE

Quem pensa que um homem pobre

tem em casa uma mulher se queixando?

Escutando o que ela diz,

poderia não ficar aflito?

Lamenta pelo filho, em seu regato

vive pior que um cervinho da montanha

pensa que ante sua casa

logo virá o coletor de impostos

sai a olhar os pântanos e montes

e voltando, seu coração está confuso

quando veremos o grande oficial?

chorarei de joelhos diante dele.

(Yuanjie)



LABUTAS DE UM HUMILDE LENHADOR

Recolho lenha na montanha, busco arbustos secos

o bosque profundo tem lenha, mas é difícil alcançar

no outono, a queimar a erva, a relva ardeu

os ramos estavam secos, recolho o que posso levar

ressoam os machados nas profundezas do vale

ato a lenha com uma tira de pano verde

o sol está a oeste, espero meu companheiro para irmos juntos

com os ramos nas costas, caminho vergado pelo peso

sabemos que no caminho há guaridas de tigres

não nos atrevemos a descansar antes de sair do bosque

a oeste do povoado, os campos escurecem, passam raposas e lebres

as crianças chamam, o eco responde

o lenhador não recolhe madeira de pino ou de cipreste

seus ramos são retos e resistentes

não são para queimar, mas para fazer cabanas

(Zhangji)



O VELHO CAMPONÊS

A pobre família do velho camponês vive na montanha

cultiva três ou quatro clareiras no meio do mato

a colheita é escassa, os impostos altos, não se tem o que comer

o trigo se amontoa como terra nos silos oficiais

ao final do ano, só restam a enxada e o arado na casa vazia

ele manda seus filhos colherem bolotas na floresta

no rio, os mercadores levam perolas

e em seus barcos, os cães comem carne

(Zhangji)



AS MULHERES LAVRADORAS

A andorinha volta ao ninho, os brotos de bambu crescem

de que casa são estas jovens que estão trabalhando?

sem homem, sem boi, sem mesmo um arado

com uma faca revolvem a terra para ará-la

dizem que sua família é pobre, e sua mãe é velha

seu irmão maior foi para a guerra sem se casar

no ano passado, a epidemia devastou seu estábulo

levaram tecido ao mercado para comprar uma faca

com seus panos ocultam o rosto para que

ninguém as reconheça

com uma faca fazem o trabalho de um boi,

quem as igualaria?

as duas irmãs se ajudam, cheias de pesar

não vêem gente no caminho, só terra

trabalhando o campo, evitarão machucar os brotos

cavam veios, formam lomos e esperam a chuva chegar

quando o sol brilha sobre a serra do sul, voltam para casa para comer

a cada passo, faisões voam, espantados

na casa dos vizinhos a oração já passou

ambas choram o último aroma, e as lágrimas empapam seus vestidos

(Daishulun)



O PESCADOR

O pescador fez uma boa pesca

e está vendendo junto ao rio

o barco está amarrado junto a entrada

uma anciã sai, e chama as galinhas e os cães

recolhe a roupa estendida sobre o telhado das cabanas

em troca de sua pesca, ele conseguiu dinheiro e vinho

regressa bêbado e cai dormindo no chão

uma criança importuna pedindo arroz cozido

e da neblina em meio as canas, uma gaivota alça vôo

(Xuzhao)



O CANTO DO PASTOR

Os demais bois tem chifres tortos

o meu tem rabo pelado

levo uma flauta curta e uma grande....

levo-os para as colinas do sul, nas serras do oeste

o sol cai, os pastos estão longe, o boi caminha lento

quando está cansado, quando tem fome, só eu sei

se o boi se levanta, eu canto, se cai, me sento; a noite, na volta, me deito junto dele

todo o ano cuido do meu boi, sem mais preocupações

só temo ter que vende-lo para pagar os impostos

(Gaoqi)



SABEDORIA POPULAR

Se uma só mulher deixa o tear

três carecerão de roupa

se um só homem deixa de lavrar

oito bocas passarão fome

quando o frio e a fome nos castigam

quem pode descuidar do seu dever?

que pede o coração do povo?

ter sempre algum apoio

não se deve esquecer essa regra nem por um instante

e o sábio procura observá-la

(Yangji)



FOME

As amoreiras, nas colinas, são frondosas e verdes

o trigo, ante a porta, está amarelinho

as pessoas que encontro dizem que a colheita será abundante

mas ainda não há onde pedir comida

(Qianbochuan)



INUNDAÇÃO

A inundação do quarto mês matou meu painço

A inundação do quinto mês matou meu trigo

são incontáveis as mortes no campo causadas pelo rio

não basta que agora o painço está morto e o trigo está morto

vem o coletor de impostos matar todos nós

mil homens se agitam, saem decididos

multidões de homens cercam os dois lados do caminho

trepados nas árvores, armados de paus

venham comigo matar os coletores

(Qinshuyang)



AS TRÊS CLASSES

Antigamente os soldados eram camponeses

os camponeses eram ricos, e os soldados poderosos

antigamente os letrados eram camponeses

e os camponeses eram honrados, e os letrados bondosos

quando separaram as armas da agricultura

nas casas não faltou grão

quando se separaram as armas das letras

os lavradores deixaram de ser instruídos

é difícil ser soldado sem comer

é difícil ser letrado faminto

ao separá-los se prejudicaram os três

reunindo-os, reinaria uma ordem uniforme

queria assinalar aos que tem algum cargo

que a paz e os distúrbios da sociedade

dependem disso

(Hanxia)



O MASCATE

O mascate dorme vestido

o céu do outono não quer clarear

a luz da lua ainda entra pela cortina

em seu retiro, donde escuta longe o rumor do rio

seus projetos fracassaram, não tem roupa nem comida

quando voltar terá que recorrer aos amigos

sua velha esposa lhe escreveu carta atrás de carta

ele apenas responde que ainda não pensa em voltar

(Dufu)



O VIAJANTE

No ano passado, as andorinhas fizeram ninho em minha casa

este ano, os arbustos florescem junto ao caminho

viajo ano após ano, sem voltar para a minha casa

como saber se minha família está viva?

a poeirada dos cavalos tártaros se levanta encobrindo o céu

em que terra o vento da primavera não evoca aqueles que estão longe?

(Xunjue)







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