Historiografia

 



A História da China foi reconstruída na Antiguidade, basicamente, por dois autores fundamentais: Confúcio (Kong Fu zi, século -6.) e posteriormente, Sima Qian (sécs.-2-1). As condições em que suas obras foram produzidas e os métodos que utilizaram, porém, manifestam estilos e preocupações bastante diferentes. Confúcio, o famoso pensador chinês, teria sido autor, organizador e compilador de algumas fontes históricas, tais como o Shujing (Tratado dos Livros, composto por discursos e eventos históricos antigos), Liji, (Recordações dos Rituais, apresentando um panorama abrangente das noções educação, música, arte, ritual, política, etc.) além do Chunqiu (Livro das Primaveras e dos Outonos, uma cronologia seca e quase hermética dos eventos ocorridos no Estado de Lu, terra de Confúcio, cujo significado muitas vezes só pode ser compreendido através de comentários posteriores, como o Zuozhuan), sem contar os livros filosóficos diversos atribuídos à sua escola. Sua forma de reconstruir o passado recorria a uma análise erudita da tradição documental disponível, realizando uma história de cunho moral e intelectualmente ilustrativo. Suas obras foram comentadas e utilizadas até o período Han (séc. –3/+3), quando outro historiador de renome - Sima Qian - encarregou-se, num vasto empreendimento pessoal, de construir uma nova história da China Antiga. Utilizando um elaborado método de pesquisa, que contava com a aplicação de eficazes procedimentos astronômicos de datação e com o envio de pesquisadores às regiões do país para recolher versões das histórias contidas nos documentos antigos, Sima empreendeu um trabalho comparativo dos depoimentos colhidos e fez uma versão final da cronologia. Mesmo Sima Qian admitia em seu trabalho certas dúvidas em relação à datas mais antigas, mas hoje sabe-se que muitas de suas observações estavam corretas. Sima buscou ainda destacar os aspectos múltiplos de sua história, seguindo uma linha confucionista que enfatizava tanto as biografias de cunho moral, pautadas em importantes personagens intelectuais e políticos, bem como na apresentação de tábuas cronológicas e tratados científicos que dessem coerência e continuidade ao processo histórico. É preciso identificar, porém, que os dois autores discordavam sobre alguns aspectos originários da civilização chinesa: Confúcio admitia um grupo específico de patriarcas fundadores do dito Império Chinês (calcados fundamentalmente em Foxi, o descobridor dos trigramas, Nugua, a criadora da agricultura e Huangdi, o Imperador amarelo, primeiro governante mítico chinês), conquanto Sima Qian defendesse que as linhagens dinásticas fundamentavam-se numa genealogia mais extensa. Ambos, no entanto, defendiam a total humanidade destes personagens, negando-lhes absolutamente um caráter miraculoso ou divinal; admitiam, igualmente, a mesma linhagem dinástica: dinastia Xia (fundada pelo salvador do dilúvio chinês, Da Yü, ou grande Yü), Shang, Zhou, Zhou posterior (mais conhecido como período dos Estados combatentes), Qin e Han. Confúcio, que teria vivido no período final dos Zhou anterior, é o ponto de partida para a continuidade da cronologia proposta por Sima Qian, e apresentada no taciturno texto do Chunqiu. Os estudos históricos e arqueológicos modernos têm demonstrado que a lógica extremamente bem articulada dos antigos historiadores chineses pregou muitas peças nos estudiosos mais atuais. Para começar, que muitas das datações são exageradas, remetendo o passado imperial para as ditas épocas proto-históricas. Além disso, a China não foi sempre uma unidade: a arqueologia demonstrou a existência de várias culturas que existiram paralelamente no território chinês no período antigo, mesmo nas épocas ditas imperiais, o que nos faz supor que as linhagens históricas descritas na documentação antiga são, na verdade, apenas a dos reinos mais poderosos. Para complicar um pouco mais, os vestígios da dinastia Xia não são definitivos para compor o quadro de sua existência, o que faz os pesquisadores terem uam certa dificuldade em estruturá-la. A partir da dinastia Shang, porém, os vestígios arqueológicos apareceram em profusão, apresentando uma cultura complexa, políteista, que realizava sacrifícios humanos e era muito mais evoluída tecnicamente que seus paralelos europeus. Mas a arqueologia chinesa ainda é bem recente: para termos uma ideia, apenas em 1974 achou-se (e mesmo assim por acidente) a gigantesca tumba do imperador Qin, composta por seus indefectíveis guerreiros de terracota. Isso porque no último século a história conturbada do país provocou inúmeros problemas para o desenvolvimento deste campo de estudo, criando um lapso entre as primeiras escavações, na década de 20, para um tímido recomeço na década de 60. Logo, muitas dessas conclusões que apresentamos são objetivamente parciais, e possivelmente modificáveis no futuro.

Textos

Reter a Centralidade - o sentido de História

O Problema do Sentido (Li) na História

O Desafio da Memória

Uma História inventada

O Tempo das Dinastias

A Visão Chinesa do Passado

A História Imaginada da China

Saber os versos, saber em versos

Fontes para se estudar a China

A História e seus Comentários - Liuxie

Ligações externas

Abolir o passado, reinventar a história - a escrita da história em Hanfeizi no séc. -3

A (não) questão do tempo na tradição chinesa, por Maria Trigoso

O uso da Analogia na História Chinesa antiga

"Não invento, apenas transmito": Reinterpretando a escrita historiográfica de Confúcio

Sinologia e Confucionismo

A China em um só tempo

Tratado sobre o Espírito da História

Teoria da Manifestação das Coisas na História

A Busca do Antigo

A China Han e o Ocidente

Uma introdução a Sinologia

A (não) questão do tempo na tradição chinesa, por Maria Trigoso 

Tempo e Cultura na China Antiga, de Claude Larré

China: Esboço sobre uma civilização de acordo com sua própria filosofia da História, por Ricardo Joppert

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